Foto: Ir. Viviani Moura, fsp
Falar de inteligência artificial, hoje, pode parecer redundante, repetitivo, dada a euforia que presenciamos sobre a notável evolução dos sistemas tecnológicos. Entre estes, e de maneira especial, a inteligência artificial (IA).
São muitos os desdobramentos dos sistemas da IA, a ponto de podermos considerá-la como “inteligência artificial em movimento”, onde cruzam-se velozmente competições entre os grandes detentores do “poder” tecnológico. Revela-se também o interesse crescente das empresas, sobretudo no campo dos negócios. Ampliam-se as pesquisas sobre o fenômeno, gerando múltiplas leituras e várias novas práticas oferecidas pela IA.
Um destaque importante é perceber que a evolução da IA não só é notável, mas inédita em muitos aspectos, pois as inteligências artificiais formam um novo paradigma tecnológico com acelerado desenvolvimento e geram mudanças antropológicas e socioculturais significativas.
Papa Francisco e a IA
As mais recentes mensagens do papa Francisco por ocasião do Dia Mundial da Paz (2024) e Dia Mundial das Comunicações (2024) expressam o Magistério da Igreja sobre a inteligência artificial, reconhecendo e louvando as extraordinárias conquistas da ciência e da tecnologia quando estão a serviço do ser humano, isto é, a Igreja explicita em seu magistério e defende a primazia humana.
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E o faz por razões e fundamentos bíblicos, teológicos e sua identidade essencial que é evangelizar. Francisco lembra o fundamento bíblico do ser humano e nos diz “que a inteligência é expressão da dignidade que nos foi dada pelo criador, que nos fez à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 26). E a afirmação insistente de Francisco é que o valor fundamental que devemos reconhecer e promover é o da dignidade da pessoa humana. E afirma: “E o conceito de dignidade humana –este é o núcleo – exige que reconheçamos e respeitemos o fato de que o valor fundamental de uma pessoa não pode ser medido por um conjunto de dados”.
Enquanto a Igreja reconhece e se alegra com os progressos notáveis na esfera digital, ela também compreende a ambivalência que existe nas formas da inteligência artificial. Sabe reconhecer os grandes benefícios nos inúmeros progressos nos campos da medicina,engenharia e das comunicações. Por outro lado, é imprescindível recordar o que já em 2015, na Laudato Si’, Francisco dizia que “o imenso crescimento tecnológico não foi acompanhado por um desenvolvimento do ser humano quanto à responsabilidade, aos valores, à consciência”.
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O Magistério sabe que a IA se torna cada vez mais importante. Mas é imprescindível também recordar “que a pesquisa científica e as inovações tecnológicas não estão desencarnadas da realidade, nem são neutras, mas estão sujeitas às influências culturais”.
Assim, as tecnologias que se servem duma multiplicidade de algoritmos podem, dos vestígios digitais deixados na internet, extrair dados que permitem controlar os hábitos mentais e relacionais das pessoas para fins comerciais ou políticos, muitas vezes sem o seu conhecimento, limitando o exercício consciente da sua liberdade de escolha (por isso, a questão da transparência).
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Francisco não deixa de apontar que “os desafios que a IA coloca não são apenas de ordem técnica, mas também antropológica, educacional, social e política. Por exemplo, ela proporciona economia de esforços, produção mais eficiente, transportes mais fáceis e mercados mais dinâmicos, bem como uma revolução nos processos de recolher os dados. Entretanto, ao mesmo tempo que é preciso estar consciente das rápidas transformações, é preciso, sobretudo, geri-las de maneira que possam salvaguardar os direitos humanos fundamentais, respeitando as instituições e as leis que promovem o progresso humano integral. Precisamos estar conscientes das rápidas transformações em curso e geri-las de forma a salvaguardar os direitos humanos fundamentais, respeitando as instituições e as leis que promovem o progresso humano integral (Dia Mundial da Paz 2024).
O Magistério de Francisco, em suas mensagens, demonstra que a Igreja reconhece as grandes possibilidades de bem que a inteligência artificial pode proporcionar, mas que elas vem acompanhadas pelo risco de que tudo se transforme num cálculo abstrato que reduz as pessoas a dados, o pensamento a um esquema, a experiência a um caso, o bem ao lucro, com o risco sobretudo de que se acabe por negar a singularidade de cada pessoa e da sua história, dissolvendo a realidade concreta numa série de dados estatísticos. (Dia Mundial das Comunicações 2024).
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Joana Terezinha Puntel é uma irmã paulina. Jornalista e doutora em Ciências da Comunicação pela Simon Fraser University (Vancouver-Canadá) e pela Universidade de S. Paulo (USP). Professora e pesquisadora nas áreas de Igreja e Comunicação, Cultura, dimensão pastoral. Pertence à equipe do SEPAC. É membro da INTERCOM e do GRECOM (Grupo de pesquisa da CNBB). Publicou vários livros, entre os quais Igreja e Sociedade-método de trabalho na comunicação; organizou e contribuiu com artigo em O Humano na dinâmica da Comunicação.