Foto: Arquivo Paulinas
Todos os anos a Igreja do Brasil dedica o mês de agosto às vocações. Em 2024, os bispos sugeriram para a reflexão das comunidades a proposta do Papa: “Igreja como uma sinfonia vocacional” e o lema: “Pedi, pois, ao Senhor da Messe” (Mt 9, 38). Na mensagem para o Dia Mundial de Oração pelas Vocações do ano passado (2023 - sempre no IV Domingo da Páscoa), Francisco convidou os jovens a serem atuantes na Igreja: “Com todas as vocações unidas e distintas, em harmonia e juntas em saída, para irradiar no mundo a vida nova do Reino de Deus”
Vocação sabe-se muito bem, é um convite nominal: Deus chama alguém e lhe confia uma missão. Nesse sentido, a sinfonia vocacional pode ser entendida como uma orquestra de incontáveis instrumentos que se harmonizam na resposta: é a voz de Deus nos tons das criaturas, dos seres humanos, das pessoas.
Na Bíblia, encontramos inumeráveis narrativas de convites que Deus fez e de como as pessoas responderam. O profeta Ezequiel, cuja profecia é alvo dos estudos do Mês da Bíblia de 2024, é uma das personagens bíblicas que tem sua vocação descrita em detalhes. O primeiro versículo do livro situa dia, mês, ano e local exato onde o profeta entendeu que Deus o chamava: “Abriram-se os céus e tive visões de Deus” (Ez 1,1).
O texto esclarece, no versículo 3 do primeiro capítulo: “Veio a palavra do Senhor a Ezequiel, filho de Buzi, o sacerdote, na terra dos caldeus, às margens do rio Cobar. Lá veio sobre ele a mão do Senhor”.
A vocação de Ezequiel vem acompanhada da experiência que ele fez de ver a glória de Deus, por meio de símbolos e elementos naturais, já presentes na Bíblia desde o relato da criação, no Gênesis: o vento, o fogo, o firmamento, a água.
O capítulo dois do livro mostra como o profeta abriu o coração ao espírito de Deus, que o fortaleceu para que escutasse e aderisse ao envio recebido: “Penetrou em mim um espírito, quando ele me falava, e me fez ficar em pé. Ouvi, então, aquele que me falava. Ele me disse: ‘Filho do homem, eu te envio aos filhos de Israel, às nações, aos rebeldes que se rebelaram contra mim’” (Ez 2,1-3).
A incumbência não foi simples. Deus quis chamar os israelitas a serem fieis à Aliança com ele. Coube ao profeta falar aos rebeldes que, por esse motivo, tinham sido exilados de Jerusalém. O texto deixa ver a surpresa e o temor de Ezequiel, pois Deus o conforta por quatro vezes: “não tenhas medo” (2,6). A descrição continua: Deus estendeu a mão e entregou-lhe o rolo da Palavra, com a qual Ezequiel se alimentou, para ter forças de responder à sua difícil vocação. A escrita do rolo era de lamentações, mas Deus o animou: “come e vai” (Ez 3,1).
O terceiro capítulo do livro continua a falar da vocação e como Deus pacientemente conforta o profeta e o faz ver que está apto para a missão, afinal, falará ao seu próprio povo, e não a uma nação estranha com linguagem obscura.
Os israelitas são rebeldes e tem coração e fronte endurecidos, porém Deus promete não deixar que Ezequiel fraqueje, ele também será “duro”, sem medo, à altura deles, porque as palavras que falará são de Deus, quer eles queiram escutar, quer não queiram. O apoio de Deus leva o profeta a confiar e arriscar-se sempre mais na vocação e na missão, a ponto de dizer: “o Espírito me elevou e me arrebatou. Fui com amargura, no ardor de meu espírito, mas a mão do Senhor era forte sobre mim” (Ez 3,14).
A primeira missão de Ezequiel constituiu em conversar com os exilados, ajudá-los a entender que estavam longe de sua terra, de Jerusalém e do Templo, porque tanto seus pais, como agora eles mesmos, haviam adotado a idolatria e abandonado a fé no Deus de seu povo. Por isso, enfraqueceram e a cidade foi invadida e destruída por outras nações. Mas Deus os queria de volta e precisava que se convertessem.
Parece que os ouvidos dos exilados não escutaram a voz do profeta, então ele passou a fazer gestos simbólicos a fim de chamar atenção. No fim do capítulo três, Deus mais uma vez o conforta e o faz ver que é assim mesmo: nem todos abrem o coração à profecia: “quando eu te falar, abrirei tua boca e lhes falarás: ‘Assim diz o Senhor Deus: Aquele que escuta, que escute, e aquele que se recusa a escutar, que se recuse a escutar’! Pois eles são uma casa rebelde” (Ez 3,27). Ezequiel compreende que sua missão é anunciar. Se os exilados não o ouvirem, não é motivo de frustração para ele, isso fica por conta de Deus.
Ao contemplar a vocação de um profeta e compará-la com o tema e o lema do Mês Vocacional de 2024, pode-se ver que o chamado é um diálogo de duas pessoas que se encontram, se entendem e juntas agem: Deus e o ser humano.
Quem chama é Deus, muitas vezes pela sinfonia de vozes das pessoas, da Igreja, da humanidade, de todas as criaturas... Deus afina nosso instrumento para fazermos parte da harmonia de sua orquestra.
A missão é dada por Deus, realizá-la é tarefa nossa; os resultados não dependem de nós, e sim de cada um(a) abrir o coração para escutar. Por isso, o lema do Mês Vocacional é “Pedi ao Senhor da messe” (Mt 9, 38): quando pedimos vocações, sobe da terra a sinfonia de nossas vozes e desce do céu o chamado do Senhor aos profetas e profetisas para os tempos de hoje.
Pausa para refletir
1. Na idade e no contexto em que estou, posso dizer que já escutei e respondi ao convite de Deus?
2. Alguma vez senti, como Ezequiel, “a mão do Senhor forte sobre mim”?
3. Já senti a sensação de que Deus tocou nas pessoas e por meio de minhas palavras e gestos?