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A família é uma instituição social em constante construção. Nem sempre foi considerada essencial para o desenvolvimento de crianças e adolescentes. No Brasil, na década de 1970, acreditava-se que o Estado poderia assumir o papel da família, especialmente das famílias pobres.
Surgiram, então, grandes instituições, muitas vezes denominadas FEBENS, que produziram resultados desastrosos para as crianças e adolescentes inseridos nessas unidades, bem como para toda a sociedade.
A década de 1970 também foi marcada por profundas transformações na família brasileira, como as migrações para os grandes centros urbanos e a Lei do Divórcio. Essas mudanças continuaram nas décadas seguintes, com a restauração da democracia e o reconhecimento, pela Constituição Federal, da família como base da sociedade, além da aceitação e reconhecimento de outras formas de constituição familiar, como as monoparentais e homoafetivas.
Direito de viver e crescer em uma família
Nenhuma mudança familiar impactou mais do que o reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos e o direito que toda criança e adolescente têm de viver e crescer em uma família.
A família é o primeiro núcleo social do ser humano. É a primeira fonte de formação da personalidade, valores, crenças e comportamentos. É na família que a criança e o adolescente iniciam o desenvolvimento de suas habilidades sociais, como comunicação, empatia e resolução de conflitos.
Somente o ambiente familiar pode oferecer à criança e ao adolescente o carinho, a estimulação e o afeto essenciais para o seu desenvolvimento emocional. O relacionamento com pais, irmãos, avós e familiares é fundamental para a formação da autoestima e da personalidade.
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Embora a família seja um direito fundamental para crianças e adolescentes (Art. 227 da CF), no Brasil, mais de trinta mil crianças e adolescentes ainda vivem afastados de suas famílias naturais, por uma série de razões, como maus-tratos, violência sexual, uso de entorpecentes e negligência. A solução tradicionalmente adotada para essas crianças sempre foi e continua sendo encaminhá-las para unidades de acolhimento institucional (abrigos e casas-lares).
Essas instituições, embora muitas delas com boa estrutura e administradas por pessoas abnegadas, solidárias e caridosas, não podem ser equiparadas a um ambiente familiar.
Nas instituições, as crianças vivem uma rotina coletiva e são privadas de um relacionamento afetivo mais intenso e próximo, como ocorre em um ambiente familiar. Nas instituições, há uma rotatividade de cuidadores e de crianças, o que impede a formação de vínculos afetivos sólidos, fundamentais para o desenvolvimento do ser humano.
Pesquisas, como as de Charles Nelson da Universidade de Harvard, demonstram que crianças privadas por longos períodos de uma família sofrem inúmeros impactos no desenvolvimento, como baixa autoestima, dificuldades de apego, ansiedade, dificuldades no desenvolvimento de relações sociais, de atenção e aprendizado, entre muitas outras.
Acolhimento familiar
A falta de uma referência familiar pode resultar ainda em agressividade, problemas mentais e depressão. Isso significa que a interação e a estimulação familiar são fundamentais para um desenvolvimento saudável de uma criança e adolescente.
Por essas razões, no início deste século, no Brasil, começaram a surgir os serviços de acolhimento familiar como uma alternativa ao acolhimento institucional. São serviços públicos, normalmente prestados por voluntários, sob a coordenação de uma equipe técnica preparada, que acolhem temporariamente crianças e adolescentes que precisam ser afastados de suas famílias de origem.
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As crianças e adolescentes não são mais encaminhados para instituições, mas para famílias preparadas para acolhê-los e dar-lhes o que mais precisam no momento mais dramático de suas vidas: afeto, carinho e cuidado.
Infelizmente, ao contrário do que ocorre em países mais desenvolvidos, no Brasil, apenas seis por cento das crianças e adolescentes afastados de suas famílias vão para famílias acolhedoras.
Estatuto da Criança e do Adolescente
O Estatuto da Criança e do Adolescente já prioriza o acolhimento familiar como medida protetiva para crianças e adolescentes afastados de suas famílias naturais, mas infelizmente ainda não conseguimos avançar significativamente nesta política pública, que necessita do apoio da sociedade e do Estado.
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Toda criança tem o direito constitucional e fundamental de viver e crescer em família.
Nas palavras da poetisa Gabriela Mistral: “Muitas coisas de que necessitamos podem esperar. A criança não pode... A ela não podemos responder ‘amanhã’. Seu nome é hoje”.
