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O mês de maio deste ano, pleno Tempo Pascal, faz contemplar o Senhor ressuscitado que derrama sobre a Igreja a paz do Céu. Paz que o Pai lhe deu por ter ido até o fim no caminho da morte e ressurreição, sem vacilar nem retroceder.
O evangelho da solenidade da Ascensão do Senhor, proclamado na liturgia em 31 de maio e 01 de junho, afirma “assim está escrito”. A Boa Notícia que dá vida à Igreja é fruto da ação de escrever, com clareza e segurança, a mensagem de Jesus, no início conservada e comunicada por viva voz entre as comunidades cristãs. A escrita era o meio mais nobre, dispendioso e eficaz de comunicação dos tempos bíblicos, e os primeiros evangelizadores não mediram sacrifícios em usá-la a fim de eternizar a Palavra de Deus que foi proclamada e cumprida por Jesus.
Razões para jubilar
Uma boa notícia sempre traz júbilo, e a Igreja todos os anos se alegra, soleniza e glorifica o Senhor por sua ascensão aos céus. O evangelho da liturgia deste ano recorda que Jesus deixou aos discípulos o envio missionário de pregar “a conversão para o perdão dos pecados a todas as nações” (Lc 24,47). O termo pregar equivale a comunicar, anunciar, difundir, fazer que a Boa Notícia ressoe para todas as criaturas da Terra e as liberte e salve.
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O Ano Jubilar da Esperança está em curso, e o papa Francisco, ao escrever para o 59º Dia das Comunicações Sociais, que é sempre celebrado na Ascensão do Senhor, intitulou a mensagem: “partilhai com mansidão a esperança que está em vossos corações”, inspirado na Primeira Carta de Pedro (3,15-16).
Convite a escrever o futuro
O papa nos convoca a pôr no centro da comunicação, o compromisso pessoal e coletivo: “Sonho com uma comunicação que saiba fazer de nós companheiros de viagem de tantos irmãos e irmãs nossos para, em tempos tão conturbados, reacender neles a esperança. Uma comunicação capaz de falar ao coração, de suscitar não reações impetuosas de fechamento e raiva, mas abertura e amizade [ ]. Comunicar deste modo ajuda a tornarmo-nos peregrinos de esperança, como diz o lema do Jubileu”. O Papa finaliza: “contai histórias imbuídas de esperança, tomando a peito nosso destino comum e escrevendo juntos a história do futuro”.
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A capacidade de escrever com os olhos no futuro é um dom de Deus reservado aos profetas e foi isso que fizeram os primeiros autores do Novo Testamento. Orientaram as comunidades nascentes na vivência cristã da fé, da esperança, do amor serviçal e do anúncio da salvação.
Podemos, portanto, jubilar e glorificar a Deus, porque dois mil anos depois da primeira comunicação do Evangelho, coube a nós vivermos agora, no futuro que eles contemplaram. Ancorando-nos na esperança dos que escreveram a Bíblia, cremos e procuramos escrever com nossa prática e comunicar a Palavra de Deus e a justiça que ela ensina.
Está escrito: o justo vive da fé
É a Carta aos Romanos, livro de estudo do Mês da Bíblia de 2025, que traz essa afirmação referente à Sagrada Escritura já no primeiro capítulo (1,17), como forma de justificar a certeza de que a fé traz vida para quem pratica a justiça. Mais adiante, no capítulo 4 (1-12), o autor dirá que o pai de quem crê é o justo Abraão, porque ele, contra a esperança humana, confiou em Deus e creu na promessa de uma descendência, a qual o livro do Gênesis compara com as estrelas do céu (Gn 22,17), isto é: perene, brilhante e incontável.
Por isso, Deus, que vê o futuro, deu-lhe não apenas a linhagem biológica, mas todas as pessoas que vivem da fé e praticam a justiça em toda a terra e por todos os tempos.
O quarto capítulo da Carta aos Romanos é dedicado a provar aos cristãos de Roma, quase todos vindos de fora da descendência judaica, que não é preciso praticar a lei como uma espécie de preparação para aderir à fé no Senhor ressuscitado. Isso, porque o patriarca Abraão, ancestral do povo judeu, foi o primeiro a crer em Deus e a fazer sua vontade, caminhando na justiça.
Por isso Deus o fez justo por sua fé, e não pela prática da lei, inclusive a lei de Moisés ainda nem existia e só apareceu, séculos depois da morte de Abraão. O Patriarca não era sequer judeu, era também estrangeiro (Rm 4,10), antes de ouvir o chamado de Deus e segui-lo. Nesse sentido, os cristãos vindos do paganismo não tinham motivo algum para, antes do batismo, se fazerem praticantes da lei de Moisés, porque a fé e a prática da justiça já faziam deles descendentes originários do Pai Abraão.
Feliz quem segue as pegadas de Abraão
O autor reforça ainda mais a ideia da pertença de toda a humanidade à descendência e à promessa, ao dizer que, pela fé na ressurreição de Cristo, Deus perdoa a judeus e gentios igualmente (Rm 4,7-9). É um crédito de justiça reservado a quem abre o coração, como diz o Gênesis em referência a Abraão: “creu no Senhor, o que lhe foi creditado como justiça” (Gn 15,6), isto é, teve uma fé confiante na promessa de Deus.
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Assim, por meio dele, Deus aceita toda a humanidade, inclusive os que não praticam, nem sequer conhecem as obras que a Lei prescreve, inclusive a circuncisão, que era o sinal visível da pertença à promessa e à Aliança oferecidas ao Patriarca.
Se os descendentes biológicos de Abraão são circuncidados e pertencem ao povo de Deus, os gentios que aderem à fé em Cristo “seguem as pegadas de fé do pai Abraão” (Rm 4,12), que começou a crer em Deus antes de ser circuncidado.
Essa argumentação é concluída, no versículo 25, que, fundamenta a justiça vinda da fé com a menção ao cântico ao Servo do Senhor de Isaías (Is 52,13‒53,12): o Cristo entregou-se à tortura e à morte e deu a vida para resgatar do pecado a todos. Por isso Deus o ressuscitou para nossa justificação.
Para refletir
- O Papa define a comunicação: “capaz de falar ao coração”. O que esse convite desperta em nós? Na família? Na Igreja?
- De que modo podemos praticar a sugestão do Papa de escrevermos juntos a história do futuro?
- Como podemos distinguir a prática da Lei e a fé que se torna justiça?
- O que sentimos ao tomarmos consciência de que seguimos as pegadas de fé do Pai Abraão?