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Bebê Reborn: o simulacro de colo que consola um desespero mudo

Foto: Freepik

Vivemos numa era em que tudo que é carne quer virar plástico — e tudo que é plástico, com um pouco de silicone e verniz, vira carne. Não é à toa que surgem os bebês reborn, essas bonecas hiper-realistas que prometem o impossível: consolar sem chorar, amar sem reciprocidade, parir sem dor nem parto.

São recém-nascidos de vinil, filhos do desespero e do fetiche, que dormem com os olhos semicerrados de um sono eterno e perfeito. Anjinhos de silicone que não exigem peito, fralda ou madrugada.

Há quem diga que são apenas brinquedos. Ingênuos. São mais do que bonecas: são epitáfios emocionais, monumentos domésticos a uma dor que não ousa dizer seu nome. Alguns os compram por capricho, outros — os mais silenciosos — por luto. O bebê reborn não nasce, ele substitui. Ele é o eco mudo de um ventre que esperou em vão.

Durante a gravidez, toda mãe fantasia: o bebê imaginário é tecido com linhas de esperança e pontos de narcisismo. É um filho perfeito, inédito, que nunca chora demais e sempre sorri na ultrassonografia.

Mas o parto é sempre um confronto: o bebê real nasce como um estranho — e exige, imediatamente, um luto. Sim, luto. Porque para amar o bebê que veio, é preciso sepultar o bebê que se sonhou. A mãe precisa enterrar sua fantasia para então reconhecer o outro, esse serzinho enrugado que não se encaixa no molde do ideal.

Mas e quando o bebê não vem? Ou quando vem e se vai antes mesmo do choro inaugural? O luto perinatal é um dos silêncios mais ensurdecedores da nossa sociedade. Não se fala, não se olha, não se reconhece. A mulher enlutada é tratada como se tivesse perdido uma encomenda, não um filho. O bebê reborn, então, surge como um pacto silencioso entre a dor e o artifício: “ninguém precisa saber, mas eu preciso sentir”.

Baudrillard já tinha nos avisado: vivemos num mundo de simulacros. O real virou um excesso de signos. E agora, vejam só, até o afeto virou performance. O bebê reborn é o auge da simulação afetiva: ele encena a maternidade sem suas ruínas, oferece a ternura sem o caos. E talvez por isso seja tão sedutor — ele permite o gesto sem a entrega, o cuidado sem o cansaço, o amor sem a alteridade. Um filho que nunca nos confronta.

Foto: Freepik

Mas isso tem um preço. A sociedade que abraça o simulacro abandona o risco da realidade. E o risco é onde mora o humano. Num tempo em que relações se dissolvem ao menor atrito, o reborn se encaixa perfeitamente: é a encarnação do amor unidirecional, domesticado e mudo. Ninguém será deixado, ninguém será rejeitado — porque ninguém, de fato, está lá.

Alguns defendem sua função terapêutica. E não há como negar: para certas dores, todo alívio é sagrado. Mas a pergunta permanece: quando o reborn consola, ele acolhe ou ele adia? Ele cura ou ele anestesia? Estamos lidando com a dor ou fugindo dela sob a pele plastificada de um quase-bebê?

A verdade, nua como um recém-nascido, é que os bebês reborn são espelhos. Refletem nosso medo de perder, nosso pavor de sofrer e, principalmente, nossa incapacidade de suportar a realidade sem filtros. São um sintoma: de uma maternidade idealizada, de uma cultura da superficialidade e de um desespero que grita baixinho entre fraldas que nunca sujam.

Talvez seja hora de lembrar: o humano se forja no atrito, não na ilusão. E só se ama de verdade quando se ama o outro em sua alteridade — e não no (falso) conforto de uma fantasia (ilusória).

 

René Dentz é professor do Departamento de Filosofia da PUC-Minas, onde também é coordenador da Pós-Graduação em Teologia e Psicanálise, psicanalista, Doutor em Teologia pela FAJE e Pós-Doutorado em Teologia pela Université de Fribourg, na Suíça. Autor do livro “Perdão: diálogos entre a filosofia e a teologia” (Paulinas, 2024).
 

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