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A Igreja confessa no seu Credo que Jesus nasceu da Virgem Maria, concebido pelo poder do Espírito Santo, sem a participação sexual de homem.
Tal confissão de fé descortina diante de nossos olhos um mistério de profundo amor de Deus pela humanidade, o próprio coração da fé cristã, o qual é o mistério da encarnação do Verbo Divino.
Um grande silêncio paira sobre esse mistério, pois o alcance dessa afirmação excede nossa compreensão humana; por outro lado, faz brotar em nossos lábios palavras da mais profunda gratidão, pois Deus se fez um de nós, no seio virginal de Maria.
Um mistério revelado nos Evangelhos
A concepção virginal de Jesus está guardada por muitas circunstâncias que não conseguimos alcançar com o discurso histórico contemporâneo. O que confessamos só pode ser dito num processo de recepção dos evangelhos de Mateus e Lucas que nos garantem que a concepção de Jesus não teve a participação sexual de nenhum homem.
Trata-se de um evento salvífico dado na conjunção divina e humana, em que o Verbo vem a este mundo numa criança que tem apenas Deus como pai, atestando sua origem divina, e Maria como sua mãe, atestando sua origem humana1.
Os dois evangelistas não tiveram o mínimo interesse em nos explicar o “como” aconteceu essa concepção milagrosa, por isso, nada foi dito além do que é essencial. O núcleo admirável desse mistério de fé é que o Pai nos enviou seu Filho, pelo poder do Espírito Santo, no seio virgem de Maria2.
Questões teológicas que brotam dessa confissão de fé
O cristianismo do I e II século não teve grandes problemas em receber essa afirmação de fé. Acreditaram, não em sua totalidade (lembremos dos ebionitas3), numa ação todo-poderosa de Deus em realizar um nascimento milagroso, em que a figura masculina fosse ausente.
O grave estranhamento se deu diante a ação divina de escolher que o Verbo nascesse, salvaguardando a concepção, num processo natural igual ao de todo ser humano.
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A concepção foi virginal, mas a gravidez, o parto e os cuidados particulares destinados a todos os recém-nascidos desenrolaram-se num processo todo humano. Negavam-se a acreditar que Deus teria se “sujado” com sangue e outros fluidos humanos, uma vez que poderia simplesmente ter “aparecido” no mundo4.
Foi um cuidadoso processo de compreensão das Escrituras que nos levou a afirmar, como vemos no Símbolo Niceno-Constantinopolitano, que Jesus é “verdadeiro Deus e verdadeiro homem” e que essas realidades estão harmoniosamente unidas na Pessoa de Jesus e que qualquer negação de uma delas desfigura a Tradição que recebemos dos Apóstolos.
A concepção virginal é um sinal revelador da identidade do Verbo encarnado em sua relação com Deus e com a humanidade. Isso porque ela nos coloca diante da afirmação de que Jesus procede total e inteiramente do Pai, enquanto um dom de sua graça e liberdade para a salvação da humanidade.
É uma iniciativa divina. Jesus foi dado a nós no supremo ato de amor do Pai. Mas, Aquele que esteve e está eternamente no seio do Pai é oferecido a nós e teve que ser acolhido pela iniciativa humana, cuja resposta foi dada por uma jovem, Maria, que, em nome de toda a humanidade, abriu-se à salvação dada na pessoa de Jesus5.
Atenção para não desvirtuar um sinal de graça e liberdade
O sinal da concepção virginal de Jesus nos conduz ao coração do mistério da encarnação do Verbo e não deve ser utilizado, de modo consciente ou não, para fins que não condizem com a Revelação.
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Especificamente, gostaríamos de enfatizar que a concepção virginal não traz consigo nenhuma forma de desprezo pela relação sexual de forma consensual, responsável e dada no amor entre duas pessoas. Ela é um sinal revelador da iniciativa divina do Pai e da identidade de seu Verbo sob o poder do Espírito Santo.
A figura de José, como verdadeiro pai humano de Jesus, mesmo que não o seja biologicamente, em nada é marginal nesse processo de encarnação do Verbo no seio de uma família. Deus se fez homem no seio de Maria e no cuidado paterno de José.
Também não estamos diante de um tratado de “ginecologia salvífica”. Professamos firmemente a concepção virginal de Jesus, mesmo que, seguindo os evangelistas, o “como” isso se deu fique velado diante de nosso intelecto racional/moderno.
Nesse aspecto, somos conduzidos pelo Espírito Santo, que nos concede a graça da “inteligência da fé”, a pensar esse mistério num outro nível e formato racional. Não é porque não alcançamos o “como” se deu, que o argumento se faça irracional.
Também estamos atentos para a questão de que a concepção virginal não compreende o Espírito Santo como o “pai” (elemento masculino fecundador) de Jesus, mas é sob sua força que Jesus é dado a todos nós.
Uma concepção pneumatológica
A mariologia contemporânea está muito atenta ao aspecto pneumatológico em sua reflexão. Isso nos convida a priorizar a compreensão de uma “concepção pneumatológica” em vez de “virginal”. Não se trata de diminuir o aspecto humano/virginal de Maria, muito pelo contrário, mas de entender que esse aspecto irrenunciável está subordinado ao poder do Espírito Santo. A concepção virginal é a expressão mais excelsa do Paráclito como a própria fecundidade divina derramada em Maria.
1CROSSAN, John Dominic. O nascimento do cristianismo. O que aconteceu nos anos que se seguiram à execução de Jesus. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 67.
2VALERIO, Adriana. Maria nella spiritualità cattolica femminile. In: VALERIO, Adriana; KELLI, Mervat; GROCHOWINA, Nicole. La Madre di Dio. Maria nelle confessioi cristiane. Cinisello Balsano: Edizioni San Paolo, 2022, p. 45.
3Grupo judeu-cristão que acreditava, entre outras coisas, que Jesus era filho natural de José e Maria.
4PERISSÉ, Gabriel. Ele está no meio de nós. Uma cristologia do encontro. São Paulo: Paulus, 2024, p. 99-100.
5CARDEDAL, Olegario González de. Cristologia. Petrópolis: Vozes, 2022, p. 421 e 487.
Frei Jonas Nogueira da Costa, OFM. Doutor em Teologia Sistemática (pesquisa em Mariologia) pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE. Vice-presidente da Associação Brasileira de Mariologia e membro da Equipe de Assessoria Teológica da Academia Marial de Aparecida. Contato: [email protected]