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Dicionário Mariológico – Assunção de Maria

Foto: Pixabay

A ressurreição de Jesus alcança e dá sentido a todas as coisas no universo, de modo que toda criatura está marcada com a força da ressurreição de Jesus. O ser humano, de um modo muito particular, é tocado pela força da ressurreição. Sendo criado à imagem e semelhança de Deus e tendo o Verbo assumido sua humanidade plenamente, ele é o sinal mais evidente do poder da ressurreição, uma vez que “o Espírito daquele que ressuscitou Cristo dentre os mortos habita em [nós], aquele que ressuscitou Cristo dentre os mortos, vivificará também [nossos] corpos mortais [...]” (Rm 8,11). 

Paulo diz que, conhecendo a Cristo, “a força da ressurreição e a comunhão com os seus sofrimentos tornam-me semelhante a ele na sua morte, para ver se chego até a ressurreição dentre os mortos” (Fl 3,10-11).

O que Paulo experimenta e testemunha no conjunto de sua vida, a Tradição da Igreja contempla de modo singular em Maria, Mãe de Jesus. Ela experimentou a força da ressurreição de Jesus já no momento de sua concepção virginal e, fazendo-se discípula do seu Filho, esteve em comunhão com seus sofrimentos até a hora da cruz.

Assim, Maria é a testemunha mais fiel do seguimento de Jesus, pois, estando sempre sob a sombra do poder do Altíssimo (Lc 1,35), viveu sua consagração como Mãe virginal do Verbo encarnado no seu seio de mulher. Se, de um modo singular, em vida, fez parte das primícias dos seguidores de Jesus, não o faria, também, no destino final de todos os fiéis, como testemunha qualificada da ressurreição de Jesus? É esse o mistério custodiado na proclamação dogmática da Assunção de

Maria à glória. Maria é o sinal mais evidente da ressurreição de Jesus e de seu alcance sobre toda a humanidade. 

Se a essência do dogma da Assunção de Maria é a ressurreição de Jesus, o ponto de partida objetivo da discussão passa pela sua morte. Mesmo que os fiéis professem que a santificação definitiva operada em Maria suprimiu todo o pecado, ela não ficou isenta da morte, sendo submissa à condição de todos os descendentes de Adão1.

Contudo, os cristãos, mesmo venerando a chamada Dormição de Maria, nunca trataram a Mãe de Jesus como uma pessoa falecida, mas como alguém que está vivo e ativo na comunhão dos santos e acompanha a Igreja com suas preces. 

Com essa aversão à ideia de Maria como uma mulher falecida, a ausência de seus restos mortais e toda a discussão que isso foi gerando ao redor de seu “túmulo vazio”, foi surgindo a fé na Assunção de Maria. Assunta quer dizer “assumida”, no sentido de “unida a”, “agregada a”. Em sentido bíblico, tem o mesmo significado empregado para Henoc (Gn 5,24) e para Elias (2Rs 2,3.5.9-10). Esses personagens foram “tomados”, “arrebatados” para junto de Deus2

Assim, não obstante a ausência de indicações bíblicas e patrísticas (nos primeiros séculos) sobre a morte de Maria e o destino de seu corpo, o sensus fidei plantou no coração dos fiéis essa expressão de fé. Fruto desse silêncio e embaladas pela fé do povo de Deus é que surgiram narrações hagiográficas conhecidas como “Histórias sobre o Trânsito de Maria”, que são textos antigos que nos falam da vida terrena e da morte e glorificação de Maria3

Apócrifos e fé se encontram no ofício da festa da Dormição de Maria, que é estabelecida como festa de preceito pelo Imperador Maurício (582-602), com data fixada em 15 de agosto. Essa festa já havia adquirido tamanha importância que era precedida por quinze dias de preparação com jejum e oração4

Foto: Freepik

Dentre as mais antigas homilias que tratam da Assunção de Maria, destacamos Teognosto († depois de 871). Ele recolhe toda uma tradição que nos lembra os “princípios de conveniência” utilizados sobretudo na Idade Média. Segundo esse arquimandrita de Constantinopla, era justo que Maria, tendo recebido pela boca do anjo a notícia do nascimento virginal de Jesus, também soubesse pelo mesmo anjo a notícia de sua Dormição. Também argumenta sobre o desejo de Jesus de transferir Maria desta vida mortal para a eternidade em virtude de sua união a ela pelos vínculos filho-mãe, numa relação de amor jamais interrompida5

A importância de tal homilia serve para vermos o quanto, na Idade Média, esse “princípio de conveniência” é utilizado. Recordamos São Boaventura († 1274), que propõe, como argumento em favor da Assunção corpórea de Maria, sua preservação da corrupção do pecado por meio da santificação operada por Deus, o que traz como consequência a não corrupção do seu corpo mortal6

Num crescendo de expressões devocionais, litúrgicas e teológicas em torno da Assunção de Maria, bem como diante de petições ao magistério da Igreja para que, como no caso da Imaculada Conceição, também a Assunção de Maria fosse proclamada como um dogma de fé, como uma expressão do triunfo do sensus fidei, Pio XII, em 1950, com a Bula Munificentissimus Deus, proclama que Maria foi assunta à glória celeste em corpo e alma. 

Frei Jonas Nogueira da Costa, OFM. Doutor em Teologia Sistemática (pesquisa em Mariologia) pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Vice-presidente da Associação Brasileira de Mariologia; membro da Equipe de Assessoria Teológica da Academia Marial de Aparecida e professor no curso de pós-graduação em Mariologia da Faculdade Dehoniana (Taubaté/SP). Contato: [email protected]

 

1 BØRRESEN, Kari Elisabeth. María nel Medíevo fra antropología e teología. Trapani: Il Pozzo di Giacobbe, 2019. p. 179. 
2LAURENTIN, R. La Vergine Maria. Mariologia post-conciliare, p. 240. Apud: DE FIORES, Stefano. Il dogma dell’Assuzione di Maria nella ricerca contemporanea: dati acquisiti, problemi aperti. In: TONIOLO, Ermano M. (org.). Il dogma dell’assunzione di Maria. Problemi attuali e tentativi di ricomprensione. Atti del XVII Simposio Internazionale Mariologico (Roma, 6-9 ottobre 2009). Roma: Edizioni Marianum, 2010. p. 25-26.
3VALERIO, Adriana. Maria nella spiritualità cattolica femminile. In: VALERIO, Adriana; KELLI, Mervat; GROCHOWINA, Nicole. La Madre di Dio. Maria nelle confessioi cristiane. Cinisello Balsano: Edizioni San Paolo, 2022. p. 58-59.
4KELLI, Mervat. Maria come Madre di Dio nell’oriente cristiano. Teologia, poesia, dogma, liturgia, icone. In: VALERIO, Adriana; KELLI, Mervat; GROCHOWINA, Nicole. La Madre di Dio. Maria nelle confessioi cristiane. Cinisello Balsano: Edizioni San Paolo, 2022. p. 138.
5GAMBERO, Luigi. Fede e devozione mariana nell’impero bizantino. Dal periodo post-patristico alla caduta dell’Impero (1453). Cinisello Balsamo: Edizioni San Paolo, 2012. p. 71-77. 
6BØRRESEN, Kari Elisabeth. María nel Medíevo fra antropología e teología. Trapani: Il Pozzo di Giacobbe, 2019. p. 187.

 

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