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O casamento religioso é considerado indissolúvel pela Igreja Católica. Mas certas circunstâncias podem levar à conclusão de que a união pode, sim, acabar.
É o que faz o processo de nulidade matrimonial, conduzido pelos Tribunais Eclesiásticos. A Igreja avalia se o casamento foi válido e, caso não tenha sido, ele é considerado nulo.
“É errôneo dizer que a Igreja ‘anula’ matrimônios. Isso porque o próprio Jesus Cristo disse: ‘Ninguém separa o que Deus uniu’ (cf. Mt 19,6). Um casamento realizado segundo a forma católica e com o qual os nubentes disseram ‘sim’ um ao outro presume-se válido por toda a vida de ambos. O que a Igreja pode fazer é analisar que diante de motivações alegadas e bem fundamentadas um matrimônio resultou nulo desde o princípio ou o vínculo do casal foi meramente aparente por alguma causa grave e invalidante”, explica o mestre em Direito Canônico, censor e assessor canônico da Cúria Metropolitana de Curitiba (PR), padre Fabiano Dias Pinto.
No caminho
Mas qual é o caminho a ser traçado na busca pela anulação do matrimônio? Quem desconfia que seu casamento é nulo precisa conversar com o padre da comunidade em que participa, ele conduzirá ao contato com a Pastoral Pré-Judiciária Canônica de sua Diocese e o próximo passo é dar entrada com um processo no Tribunal Eclesiástico mais próximo.
Foi o que aconteceu com a bacharel em Direito, Grace Sátiro de Araújo, que foi casada por 12 anos com muito engajamento na Igreja: ela como catequista, seu ex-marido como ministro da eucaristia e ambos como casal palestrante em encontros vocacionais. “Eu não via nulidade sendo um casal de Igreja como a gente era. Mas eu sentia uma grande necessidade de pedir à Igreja o olhar dela sobre o meu caso. Porque quando casei fui buscar o sim da Igreja, fui buscar essa bênção e aí queria que ela olhasse junto comigo também para este momento, pois não estava entendendo por que meu marido tinha me deixado”, recorda Grace que hoje acolhe e orienta as pessoas que buscam o Tribunal Eclesiástico de Salvador (BA).
Abertura da Igreja
Desde 2015, uma reforma promovida pelo papa Francisco simplificou e agilizou o processo de nulidade matrimonial. Procurando atender ao pedido do papa foi criado o Serviço Canônico Pastoral, trata-se de uma Pastoral Pré-Judiciária em passos catecumenais. O intuito é ir ao encontro das pessoas que acusam alguma possível nulidade de matrimônio.

Renata Ratton de Paula, teóloga e catequista. Foto: Arquivo Pessoal
Quem está à espera de uma resposta é a teóloga e catequista Renata Ratton de Paula, de Curitiba (PR), que aos 16 anos engravidou do namorado e foi obrigada pelo seu pai a casar.
“A outra opção que eu tinha era um aborto para ‘não manchar a honra da família’ Fui morar com uma família estranha que não tinha nenhum afeto e com um rapaz de dezessete anos, com problemas com droga e sem valores e princípios como os meus. Senti muito medo, sofri humilhações, violência física e moral. Foram muitos anos perdidos, me sentia presa e sufocada, abandonada à própria sorte. Por muitas vezes recorri ao meu pai, que nunca me acolheu, pois não queria uma filha divorciada na casa dele, meu único consolo era o sorriso do meu filho”, conta.
Ao lado do filho, Renata formou uma nova família com seu marido Jefferson e sua enteada. “Hoje madura e em busca de uma nova vida, cheia de esperança e sonhos, busco a nulidade para reaver minha vida como cristã e poder retomar à comunhão. Quero receber o corpo e o sangue de Cristo”, explica.
Operadores de justiça
Há uma grande procura pelo serviço, sobretudo nas grandes cidades. O tempo na fila é longo, leva anos. Outro fator de dificuldade é a questão financeira, já que a estrutura do Tribunal implica gastos. A boa notícia é que vemos que a Igreja está se estruturando a cada dia.
“Na prática é necessário que os pastores da Igreja se preocupem em formar bons operadores de justiça e em fomentar um fundo de patrocínio para quem não pode pagar”, acrescenta padre Fabiano Dias Pinto.
Na cidade de Uberlândia (MG), a Pastoral Judiciária está iniciando seus trabalhos e já se encontra em ótimas mãos. A responsável pela acolhida das pessoas que procuram a Igreja é a Maria do Rosário Silva, mestre em Direito Canônico e que ao lado do marido Cláudio, responde pelo Núcleo de Formação e Espiritualidade do Regional Leste 2, além de serem membros de longa data da Pastoral Familiar. Ela passou pelo processo de nulidade e só depois de receber a sentença da Igreja, regularizou sua situação com Cláudio.

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“Depois que recebi a sentença dizendo que aquele matrimônio não valeu, pudemos subir ao altar do Senhor e dizer ‘sim’ com muito mais maturidade, consciente do significado e da importância do sacramento do matrimônio nas nossas vidas. As pessoas que nos procuram estão cheias de dúvidas ou têm entendimentos equivocados. Muitos não conhecem esse trabalho que existe há anos na Pastoral Familiar com casais em nova união. É importante ouvi-las e acolhê-las fraternalmente. Se alguém cometeu alguma irregularidade talvez por desconhecimento, está na hora de rever esta caminhada e seguir em frente com coragem, entendendo que a nossa Igreja é mãe, é misericordiosa e está aqui para acolher e para ajudar esses irmãos. A separação não é um pecado, o que não pode acontecer é a pessoa continuar no pecado”, comenta Maria do Rosário.
Fé e coragem
O processo é complexo e demorado. Há várias etapas a serem cumpridas antes mesmo da “escrita do libelo”, uma petição na qual a pessoa relata os fatos pelos quais considera nulo o seu matrimônio. No decorrer das fases haverá depoimentos, testemunhas e reunião de material que comprove a petição do libelo.
Para quem está enfrentando a situação padre Fabiano orienta que se mantenha a fé. “Coloque-se em atitude de oração e escuta da Palavra de Deus”. Para Maria do Rosário é importante se preparar para a notícia da sentença independente de qual seja: “Continue em oração, nesse tempo que Deus nos concede aguardar a resposta. Tenha serenidade no coração, que venha a resposta que for, devemos preparar o coração para recebê-la”, finaliza.
Saiba mais:
Confira a continuação desta matéria que fala sobre dois itens essenciais para quem pretende iniciar o processo de nulidade: uma passagem bíblica e uma consideração jurídica, além das possíveis causas que levam à sentença positiva. Acesse: Casamento católico é sagrado
Produto Paulinas sobre nulidade matrimonial:
Juliana Borga é jornalista, três vezes vencedora do Prêmio Dom Hélder Câmara de Imprensa. É mãe coruja da Helena e adora escrever sobre temas que colaboram para um mundo mais humano e solidário. Instagram: @juborgajornalista
