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O primado das mensagens para o Dia Mundial das Comunicações, segundo a missão fundamental da Igreja, tem sido sempre a de colocar a pessoa humana como centro do papel histórico e da função que as comunicações têm na construção do viver humano, segundo a sua vocação basilar de ser humano e filho de Deus.
Se queremos dar, também, um destaque para o papa Francisco, poderíamos dizer que chama a atenção a UNIDADE TEMÁTICA com que ele vem abordando as mensagens para o Dia Mundial das Comunicações.
Assim, em 2015, em que se celebrou o Sínodo sobre a família, o papa não poupou esforços para incentivar a comunidade dos cristãos a olhar a temática da família. Tivemos, então para o Dia Mundial das Comunicações daquele ano “Comunicar a família: ambiente privilegiado do encontro na gratuidade do amor.
Em 2016, dentro desse quadro de unidade temática, o tema nascia do Ano da Misericórdia, portanto, o convite para refletir sobre Comunicação e Misericórdia: um encontro fecundo. Em 2017 o incentivo para Comunicar esperança e confiança, no nosso tempo- baseado no “Não tenhas medo, que eu estou contigo” de Isaías 43,5»
A unidade temática de Francisco, diríamos até de uma perspectiva pedagógica, revela um dos aspectos fundamentais do pensar convergente para chegar a um determinado fim. É quando convergimos que sentimos a força da luz que se projeta na ação evangelizadora, a mensagem profunda do Evangelho que nos converge para Jesus, o protótipo da comunicação.
INTRODUÇÃO – temática 2018
O tema para o Dia Mundial das Comunicações de 2018 do papa Francisco, inicia com um fundamento bíblico-teológico-antropológico sobre a comunicação. Vista a partir do “projeto de Deus, a comunicação humana é uma modalidade essencial para viver a comunhão”.
Entretanto, se a pessoa, “orgulhosamente seguir seu egoísmo (…) pode usar de modo distorcido a própria faculdade de comunicar”. E isto provoca uma “alteração da verdade, tanto no plano individual como no coletivo”. O que significa dizer, em síntese, é a “falsidade”.
A mensagem de Francisco, para este ano, é, portanto, de extrema relevância para a reflexão dos cristãos, porque aborda aquilo que está se movendo assustadoramente, na sociedade hoje, que são as Fake News e a necessidade de um jornalismo de paz, à luz da verdade, nas palavras de Jesus “A verdade vos tornará livres” (Jo 8, 32).
Fake news – uma visão geral
As fake news, comumente chamadas de “notícias falsas” (se é falsa, não é notícia; é boato. Fake news ou “notícias falsas” são divulgadas, na maioria das vezes pela internet, de modo extremamente rápido e eficiente. Muito comum receber fake news no WhatsApp e nos feeds de notícias do Facebook e do Twitter.
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As redes sociais estão no centro, por exemplo, de um debate político. As eleições presidenciais americanas, as campanhas do “Brexit”, o fenômeno das notícias falsas e o escândalo recente do uso de dados do Facebook pela consultora Cambridge Analytica vieram mostrar o potencial destas plataformas para distorcer mensagens e para chegar a eleitorados de novas formas, no caso da política.[1]
Segundo pesquisadores, pode-se agrupar, basicamente, 3 objetivos presentes nas fake news: criar confusão; fomentar, fazer avançar visualizações em sites ou redes sociais; e espalhar difamação e manipulação da opinião pública, manipular o cenário político.
Dados de uma recente pesquisa divulgada pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, que analisou publicações do Twitter entre os anos de 2006 e 2017 constataram que notícias falsas, as chamadas fake news, se multiplicam 70% mais rápido, mais fácil e mais ampla do que as notícias verdadeiras. O motor da mentira na internet não é composto só por robôs. São as próprias pessoas que, levadas por sentimentos de surpresa, repulsa e medo, compartilham as fake news de forma abundante.[2]
Do ponto de vista da mensagem, o papa Francisco explica que os fake news fazem parte da “desinformação transmitida on line ou nos meios de comunicação tradicionais”.
Na mensagem, Francisco deixa claro que o ponto central não é apenas “contribuir para o esforço comum de prevenir a difusão das notícias falsas”, mas tem a ver com o próprio tema da verdade, pois Francisco alude a informações infundadas, baseadas em dados inexistentes ou distorcidos”, pois hoje, instaurou-se “uma lógica da desinformação” “com objetivos prefixados”, entre os quais, a manipulação, a difamação, a falta de veracidade e, por isso, manipulação de opinião.
A mensagem, então, analisa dois âmbitos: não só a profissão jornalística, mas o âmbito da “responsabilidade pessoal de cada um na comunicação da verdade”. Reconhece-se que estamos “no contexto de uma comunicação cada vez mais rápida e dentro de um sistema digital” em que o contexto midiático é um fenômeno complexo.
Ele vai muito além da chamada “grande mídia” e dos jornalistas profissionais, porque envolve, justamente, de modo crescente “cada um”.
E qual a eficácia das fake news?
Por que as fake news têm tanta eficácia? Em primeiro lugar, afirma o pontífice, deve-se “à sua natureza mimética [isto é de imitação], ou seja, à capacidade de se apresentar como plausíveis”. Isto é, elas imitam (mimetizam) outras notícias reconhecidas socialmente como fidedignas, mas falsificando seus formatos e conteúdos ou produzindo falsidades. São falsas, mas são verossímeis; são capciosas (captam a atenção dos destinatários). Exploram “emoções imediatas”, facilmente suscitam “a ansiedade, o desprezo, a ira, a frustração”.
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Segundo pesquisadores que estudam esse fenômeno das fake news, as notícias falsas tem o poder de caminhar com os próprios pés, apelando para o emocional humano.
Quando uma notícia falsa com um título sensacionalista ou com um corpo de texto que careça de fontes concorda com determinadas opiniões pré-estabelecidas, ela tem mais chances de ser compartilhada porque, num momento de intensa polarização ideológica, as pessoas estão em busca de cada vez mais argumentos que justifiquem seus posicionamentos.
Entre as dificuldades para desvendar e, também eliminar pela raiz as fake news, está o fato que Francisco aponta: “as pessoas interagem muitas vezes dentro de ambientes digitais homogêneos e impermeáveis a perspectivas e opiniões divergentes”. É uma lógica que explica o êxito da desinformação.
Nesses casos, não há “um confronto sadio com outras fontes de informação” que poderiam colocar positivamente temas em discussão, abrindo-se para um diálogo construtivo. Infelizmente, estamos vivendo um comportamento beligerante em que se fomenta “o descrédito do outro, a sua representação como inimigo, chegando-se a uma demonização que pode fomentar conflitos”. Uma guerra com atitudes simultâneas de intolerância e hipersensibilidades, “cujo único resultado é o risco de se dilatar a arrogância e o ódio”. A falsidade leva a isto.
O desafio de reconhecer as fake news…
Em meio às artimanhas das fake news, a realidade das notícias falsas, o papa Francisco afirma que é preciso distinguir os “atores involuntários” na difusão de tais notícias e os “deliberadamente evasivos e sutilmente enganadores, valendo-se de mecanismos refinados”. Referimo-nos aqui aos produtores de notícias falsas que se aproveitam da ingenuidade e da falta de autocrítica e de checagem de informações. São agências que, à custa dessa ingenuidade, produzem notícias falsas e têm lucrado grandes cifras em apenas alguns meses.[3]
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Trata-se de um grande desafio, diz o Papa: “é preciso desmascarar uma lógica, que se poderia definir como a ‘lógica da serpente´, capaz de se camuflar e morder em qualquer lugar”. O papa refere-se ao Livro do Gênesis (cf. Gn 3,1-15), que apresenta a serpente como o mais astuto de todos os animais, na verdade, “artífice da primeira fake news”, porque tem uma estratégia sutil, enganadora, “uma rastejante e perigosa sedução”, com “argumentações falsas e aliciantes”. Distorceu o que Deus dissera. A serpente “começa o diálogo com uma afirmação verdadeira, mas só em parte”.
Depois, a argumentação do tentador assume uma aparência credível: “Deus sabe que, no dia que comerdes [desse fruto]…”. Referindo-se a este fato bíblico como essencial para a reflexão sobre os fake news, o papa Francisco diz “Nenhuma desinformação é inofensiva. (…) Mesmo uma distorção da verdade aparentemente leve pode ter efeitos perigosos”.
E aqui, Francisco chama a atenção para algo que é próprio do comportamento humano, isto é, “a nossa avidez” (irmã da ansiedade!). As notícias falsas “tornam-se frequentemente virais, propagam-se com rapidez e de forma dificilmente controlável”.
Elas vão suscitando ansiedade, “sobretudo pelo fascínio que detêm sobre a avidez insaciável que, facilmente, se acende no coração humano”.
Muitas vezes são motivações econômicas e oportunistas com sua sede de poder, de ter e gozar que vai de falsidade em falsidade, roubando a liberdade do coração. Daí a necessidade de “educar para a verdade”, que “significa ensinar a discernir, a avaliar e ponderar os desejos e as inclinações que se movem dentro de nós”.
Como defender-nos?
“O antídoto mais radical ao vírus da falsidade é deixar-se purificar pela verdade”, diz o pontífice. E, na mensagem, Francisco deixa claro que “a verdade tem a ver com a vida inteira”, ela se encarna em relações. E continua a mensagem, “o homem descobre sempre mais a verdade, quando a experimenta em si mesmo como fidelidade e fiabilidade de quem o ama. Só isto liberta o homem: ‘A verdade vos tornará livres’, disse Jesus (Jo. 8, 32).
O discernimento da verdade, então, é o exame daquilo “que favorece a comunhão e promove o bem” e não do que divide e contrapõe. Portanto, diz o papa, “a verdade brota de relações livres entre as pessoas, na escuta recíproca”. De fato, continua a mensagem, as argumentações podem até basear-se em fatos inegáveis, mas se são usados para ferir o outro, desacreditá-lo…por mais justa que pareça, essa argumentação “não é habitada pela verdade”. Assim que, nos vários enunciados, é preciso verificar “se suscitam polêmica, fomentam divisões” ou se “levam a uma reflexão consciente e madura, ao diálogo construtivo”.
Na continuação, o pontífice reforça que o “melhor antídoto contra as falsidades não são as estratégias, mas as pessoas: pessoas que livres da ambição, estão prontas a ouvir e, através da fadiga de um diálogo sincero, deixam emergir a verdade; pessoas que, atraídas pelo bem, se mostram responsáveis no uso da linguagem”.
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Ao se referir à responsabilidade pessoal, Francisco enfatiza a importância de quem é particularmente envolvido, por profissão, na comunicação, ou seja, o jornalista a quem chama de “guardião das notícias”. Vai além da profissão, mas é uma “verdadeira e própria missão”. A centralidade deve ser sempre “as pessoas”, e acrescenta que “informar e formar, é lidar com a vida das pessoas”. Daí “a precisão das fontes” e a promoção de “um jornalismo de paz” (que não quer dizer um “jornalismo ‘bonzinho’), “que negue a existência de problemas graves…mas um jornalismo sem fingimentos, hostil às falsidades, a slogans sensacionalistas, a declarações bombásticas (…) um jornalismo que não se limite a queimar notícias, um jornalismo empenhado a indicar soluções alternativas.
Conclusão
Como parte conclusiva, a partir de uma reflexão pessoal, baseada também na observação:
– A partir dos frutos, podemos distinguir a verdade dos vários enunciados: se suscitam polêmica, fomentam divisões, ou levam a uma reflexão consciente…o sinal de um comunicador cristão, nas redes e fora delas, é a paz.
– Recentemente, vemos uma tendência crescente de transformar até mesmo a reflexão teológica e as relações intraeclesiais em campo aberto para a circulação de inúmeros estereótipos e preconceitos de aniquilação da diferença e dos diferentes, de manutenção e reforço de um certo status quo católico. Indivíduos e grupos católicos em rede, muitas vezes deixam de lado a missão de anunciar a “boa notícia”, para inventar e compartilhar apenas fake news, falsificando o Evangelho e o testemunho cristão com suas práticas de ódio e intolerância. Supostamente agindo pelo “bem da Igreja e a salvação das almas”. Infelizmente, esses católicos ultraradicais são verdadeiros “profetas da desventura”, apedrejam simbolicamente tudo e todos que forem diferentemente católicos, incluindo o papa.[4]
Uma comunicação que, como enfatiza o pontífice, no final de sua mensagem, pratica a escuta e não o rumor; inspira harmonia e não confusão, leva clareza e não ambiguidade, leva partilha e não exclusão, desperta confiança e não preconceitos, leva respeito e não agressividade e, por fim, leva verdade e não falsidade.
Poderíamos, então, nos perguntar:
Qual nosso chamado, como cristãos? Como jornalistas?
– sermos construtores do bem. Um chamado, um convite, a vivermos a verdade e a construirmos a paz;
– na medida das possibilidades, educar-nos e favorecer a educação para viver neste mundo da complexidade digital. Pois não basta apenas técnica e tecnologia para nos comunicarmos. Valores humanísticos, democráticos, e verdadeiros, a capacidade de aceitação, respeito e troca com o diferente são necessários.
[1] Daniel Ureña. Disponível em https://www.publico.pt/2018/04/16/tecnologia/entrevista/nao-conseguimos-controlar-a-mensagem-como-faziamos-antes-1810289? Acesso 16 abril 2018
[2] https://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-noticias/ciencia/2018/03/08/fake-news-apelam-e-viralizam-mais-do-que-noticias-reais-mostra-pesquisa.htm. Acesso em 13 abril 2018
[3] Você sabe o que é Fake News? Disponível em https://dialogando.com.br/voce-sabe-o-que-e-fake-news/? Acesso 15 abril 2018
[4] Este parágrafo contém, na íntegra, a profunda e bem elaborada reflexão de Moisés Sbardelotto, em seu artigo “As fake news e o sentido relacional da Verdade”, publicado na revista O mensageiro de santo Antônio – Março 2018.