Professor da USP, Glauco Arbix. Foto: Jornal da USP/Reprodução
Glauco Arbix é professor titular do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), coordenador da área de Humanidades do Center for Artificial Intelligence-USP-Fapesp-IBM e do Observatório de Inovação e Competitividade do Instituto de Estudos Avançados (USP).
Possui doutorado em Sociologia e realizou estudos de pós-doutorado no Massachusetts Institute of Technology, MIT (EUA, 1999 e 2010), na Universidade de Columbia (EUA, 2007 e 2009), na Universidade da Califórnia - Berkeley (EUA, 2008), na London School of Economics (Reino Unido, 2002).
A Inteligência Artificial (IA) transformará nossas vidas de uma forma radical?
Glauco Arbix – Eu tenho certeza. Quer dizer, certeza ninguém pode ter totalmente. Mas em todo caso, olhando os ciclos científicos e tecnológicos do passado, e estudando o ciclo atual que vivemos basicamente desde os anos 1970, 1980, com a maneira que o computador entrou em nossa vida, a internet e a evolução da própria Inteligência Artificial (IA), vemos que do conjunto de novas tecnologias que despontaram nos anos mais recentes, a Inteligência Artificial se destaca por ser de longe a mais poderosa, a que oferece maior flexibilidade, a que penetra em praticamente em todas as áreas: economia, cultura, produção, saúde, educação, indústria, agricultura, comércio, na sociedade em geral. E é sempre bom lembrar que ela está apenas no começo.
O uso de ferramentas tecnológicas para a realização de atividades antes feitas apenas pelos humanos é algo recente?
Apenas a partir da década de 2010 é que a Inteligência Artificial começa a caminhar de modo acelerado, exatamente porque ela penetra na vida das pessoas, oferece resultados. Apenas com o desenvolvimento de uma técnica específica da Inteligência Artificial, chamada machine learning (aprendizagem de máquina), e logo em seguida, com a deep learning (aprendizagem profunda), é que a Inteligência Artificial começa a oferecer resultado, ajudando as empresas a desenvolverem esquemas muito fortes de gestão, de otimização e racionalização da sua atividade.
A IA, portanto, é fruto de uma atividade muito avançada, do uso da estatística, da engenharia. É orientada por aquilo que se chama algoritmo, que são guias a partir dos quais ela atua. A Inteligência Artificial precisa de dados para funcionar e quem os fornece para ela é a internet, com coisas boas e coisas muito ruins.
O coração da IA são os algoritmos. Os dados são fornecidos pelo ser humano e sua autonomia é tecnológica. Diante disso, qual a relevância de um debate ético sobre o uso dessa tecnologia?
Às vezes, as pessoas me perguntam: ‘Você não tem medo das máquinas tomarem o mundo?’ E eu respondo: ‘É uma possibilidade, mas eu confesso que eu tenho muito mais medo das pessoas, do que das máquinas. Porque máquina é máquina”. Sim, precisamos tomar muito cuidado com as tecnologias. Elas não têm esta cara de neutralidade, pois dependem muito da atuação humana. A pergunta que seria importante de se fazer é: “Nós estamos preparados para isso?”. A pergunta vale para a sociedade em geral, para os engenheiros, e aqueles programadores, os cientistas da computação, serve para os cientistas de várias outras áreas.
Nós ficamos o tempo todo exigindo comportamento ético dos nossos programadores, dos cientistas que fazem a Inteligência Artificial, mas o problema é: eles nunca tiveram treinamento específico, nunca foram educados para isso. E uma tecnologia tão poderosa como a IA não pode ficar dependendo do bom senso das pessoas, nós temos que ter regras de convivência com ela, para absorver o que ela tem de melhor a oferecer, e não o que ela tem de pior.
Com a expansão do ChatGPT, há o efetivo risco de que a IA substitua algumas profissões ou a mão de obra humana nas empresas?
A IA não é somente uma super tecnologia. Ela também se torna fundamental parar gerar novas. O problema é o seguinte: é confiável? Não, não é. O objetivo dela é dar uma resposta para você. No entanto, se essa resposta está certa ou errada, o problema é teu, não dela. Não transfira para essa tecnologia a responsabilidade da identificação dos fatos, da veracidade factual, ela não foi feita para isso. A IA, por exemplo, está entrando na área dos médicos, porque ela avalia um número gigantesco de radiografias, de Raio-X, de imagens de ressonância magnética, de tomografia, e oferece o diagnóstico, mas é o médico que vai dizer se aquele diagnóstico é correto ou não.
A IA pode ajudar até a diminuir a pobreza, desigualdade, a amenizar o fardo de vários tipos de atividades que são muito desgastantes para nós.
Tratando especificamente da questão do emprego, se não tivermos muito preocupados em preservar os valores humanos, nós corremos um sério risco desenhar um mundo para poucos, que vão ganhar muito bem, serão aqueles mais qualificados, e ao mesmo tempo, uma legião de pessoas que não terão emprego, mesmo que qualificados.
Como o uso da IA de forma responsável pode estar a serviço do ser humano e da proteção do planeta?
A IA do jeito que ela está hoje, pode nos ajudar muito em várias áreas, como a de energias renováveis, por exemplo. Não há como avançar na energia solar, eólica, no hidrogênio verde, sem a IA, tamanha a complexidade desses avanços. A IA pode ajudar a diminuir desigualdade, melhorar os níveis das fontes de energia, tornando nosso país e o planeta como um todo mais seguro, mais habitável.
A IA está nos conduzindo a uma quarta Revolução Industrial?
Do ponto de vista de costume, de educação das pessoas, nós vamos ser obrigados a fazer efetivamente uma revolução, se nós quisermos fazer bom uso da tecnologia. Isso é fundamental. Nós temos que saber usar, e usar para o bem, porque para o mal, não precisa da gente, é só deixar do jeito que está aí, isso acontece.
Quais são as principais oportunidades e os grandes riscos que temos à frente no horizonte da Inteligência Artificial?
Use e extraia o máximo que você puder desse tipo de tecnologia, mas, use com responsabilidade. E saiba que você precisa checar o que está fazendo, tem que usá-la como um assistente, e não como um oráculo, mas, sim, como uma ajuda, uma fonte de inspiração. Eu sou totalmente a favor de abraçar as tecnologias, mas fazer um uso ético, transparente.
Os humanos também erram, mas quando isso ocorre, é possível saber quem foi. Já quando o sistema erra, a pergunta é: “de quem é a responsabilidade? De quem fez o algoritmo, de quem vendeu, de quem comprou, de quem usou? Os sistemas jurídicos do mundo todo não estão muito acostumados a trabalhar com essa responsabilidade distribuída. O mundo é novo, a tecnologia é nova, mas a legislação é falha, atrasada. Os sistemas, muitas vezes, são implantados de modo apressado. Isso faz com que se eleve o risco de algum malefício.