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No universo globalizado e majoritariamente urbano dos dias atuais, não é só a cidade que não possui ouvidos; por vezes, tampouco a família os possui, mesmo que tenha nascido e crescido em berço cristão.
De forma geral, três ambientes se mesclam e se alternam, se confundem e se entrelaçam no interior de cada família: o monólogo, o mutismo e o silêncio.
Monólogo
O monólogo, neste caso, nem sempre é um discurso unilateral, de mão única, e autoritário. Na maioria das vezes, trata-se de uma altercação confusa, múltipla, indefinida, em que todos falam e ninguém se dispõe a ouvir.
Chega-se, não raro, a elevar o tom à altura da gritaria. E grito chama grito: como sempre, não tendo argumento, tenta se impor pela força. Ouvido algum está disposto a ouvir tais vozes alteradas. Grito, armas e punhos poucas vezes têm razão!...
Mutismo
O mutismo é justamente o contrário: o isolamento e a recusa obstinada à abertura e ao diálogo. Com ele, cria-se um clima pesado, tóxico, como que carregado de eletricidade negativa. Monossílabos secos e olhares oblíquos cruzam a atmosfera densa e tensa.
Cada um é capaz de se conectar com os quatro cantos do planeta, mas permanece indiferente aos que habitam sob o mesmo teto.
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A própria facilidade de comunicar-se à distância e com estranhos acaba por impossibilitar as relações próximas, cara-a-cara, olho-no-olho. Estas, de fato, diferentemente daquela, comportam compromissos.
Prefere-se uma mensagem por WhatsApp do que um "bom dia", "boa tarde", "boa noite", "como vai"? a quem está do lado. Isso quando cada qual não se fecha no próprio canto, mudo e surdo.
Silêncio
O silêncio, ao contrário do mutismo, requer a escuta qualificada. Colocar-se no lugar do outro e saber "perder tempo" com cada pessoa. Não se trata de um silêncio passivo, mas vivo, ativo e atento.
A escuta pressupõe o cuidado responsável por todos aqueles com quem vivemos e trabalhamos e, com maior razão, familiares e parentes.
Jesus, Maria e José
A grande referência aqui é a família de Nazaré, a escola do silêncio. José não diz uma palavra, mas figura como "o homem justo", sempre no lugar certo, na hora certa, para fazer a coisa certa: defender a família e o projeto salvífico de Deus.
De Maria, diz o evangelista, que "guardava e meditava sobre essas coisas em seu coração", num olhar sábio e revestido de fé. Quanto a Jesus, a bem dizer, passa trinta anos em silêncio, na escuta do Pai, para vir a público falar da Boa Nova do Evangelho.
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Aí está o deserto fértil, o silêncio fecundo. Silêncio que representa o terreno propício onde germina e amadurece a Palavra viva, criativa, transformadora; aquela que é capaz de libertar, confortar, curar. Palavra escrita com letra maiúscula e no singular, que se forja no silêncio da escuta.
O resto são palavras com letra minúscula e no plural, palavrório, que por vezes esconde a verdadeira Palavra.
O silêncio é o útero e a oficina desta última, quando se contempla o segredo e o mistério da criação e da história. Somente quem é capaz de silenciar será igualmente capaz de gerar palavras novas, pois, como diz o ditado, "quem não reflete se repete".
Escola de Nazaré
Jesus, Maria e José - a Sagrada Família - formam a escola de Nazaré. A escuta silenciosa do Pai leva à abertura para com o outro. O silêncio reverente e respeitoso engendra a palavra certa, oportuna, kairológica, porque capaz de ler "os sinais dos tempos".
Ali se encontra o testemunho, o exemplo, o modelo de toda família cristã. Espelho sem o qual, ao invés de casa/lar, de ambiente familiar, corre-se o risco de formar uma casa/pensão, onde cada um vem apenas para comer e dormir. A casa/mesa, por sua vez, em lugar de ponto de encontro, reencontro e convivialidade, converte-se em ponto de passagem.
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O ano Jubilar de 2025, com o tema Peregrinos de Esperança, traz uma oportunidade sem igual para que a família cristã possa, a exemplo da família de Nazaré, se redescobrir no silêncio, na escuta e no cuidado fraterno, recíproco e solidário.
O Jubileu não é programa de atos heróicos e grandiosos, e sim uma atitude aberta às pequenas coisas que podem perdoar nossas dívidas para com os outros e mudar qualquer relação, de modo particular dentro da própria família: um sorriso, um olhar, um toque, uma visita, uma palavra, um beijo, um abraço, um gesto, um telefonema - coisas que custam tão pouco e fazem tanto bem, seja a quem sabe oferecer quanto a quem sabe receber.
Pe. Alfredo J. Gonçalves é sacerdote da Congregação dos Missionários de São Carlos (scalabrinianos), cujo carisma é atuar com migrantes e refugiados. Durante 5 anos, foi assessor do Setor Pastoral Social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), depois Superior Provincial e Vigário Geral na Congregação supracitada. Hoje, exerce a função de vice-presidente do Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM). Recentemente lançou o livro Retratos da Metrópole, organizado pela Missão Paz.