Uma pia batismal de Éfeso. Foto: Zuleica Silvano
O Mês da Bíblia, comemorado em setembro, objetiva aprofundar um determinado livro bíblico e é motivado pela celebração da memória de São Jerônimo, tradutor da Bíblia das línguas originais (hebraico, aramaico e grego), para o latim, junto com Paula e Eustóquia.
O tema e o lema de estudo-reflexão são escolhidos pela Comissão Bíblico-Catequética da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e outras instituições bíblicas.
Em 2023, será trabalhada a Carta aos Efésios (Ef). Essa carta foi escolhida por tratar sobre a Igreja, que está em comunhão com o Sínodo a ser realizado em outubro de 2023 e 2024, com o tema: “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”.
Outro motivo seria a ênfase dada ao batismo, por ser um aspecto fundamental da iniciação à vida cristã, temática vinculada ao ser discípulo(a) missionário(a) como sublinha o documento da Conferência Episcopal realizada em Aparecida.
O lema do Mês da Bíblia, “Vestir-se da nova humanidade”, é extraído de Efésios 4,24 e está inserido numa exortação, na qual o autor apresenta aos batizados e batizadas em que consiste assumir a vida nova após a adesão a Cristo e o batismo, sobretudo, o viver como seguidores e seguidoras de Jesus e testemunhá-lo no contexto tão diversificado como era da Ásia.
A Carta aos Efésios é um dos livros do Novo Testamento, pertencente à tradição paulina, mas não está entre os escritos autênticos do Apóstolo, sendo, portanto, uma carta deuteropaulina. Não há consenso quanto a sua datação, a mais provável seria entre os anos 80 e 90 d.C., e, provavelmente, foi escrita para as comunidades dos(as) seguidores(as) de Jesus localizadas na Ásia.
A Carta estrutura-se em seis capítulos que formam dois grandes blocos. O primeiro contém um conteúdo teológico, sobressaindo os aspectos cristológico e eclesiológico (Ef 1–3), sendo a Igreja o Corpo de Cristo, e Cristo a “cabeça” do corpo eclesial.
A segunda parte é parenética e exorta a comunidade, formada pelos(as) batizados(as), tanto os oriundos da cultura judaica como os da gentílica, a manterem a unidade na diversidade; a agirem eticamente, tendo Cristo como o princípio normativo; a comportarem-se como filhos(as) da luz; a revestirem-se da “nova humanidade” em Cristo; a mudarem as relações familiares e sociais; a serem imitadores de Deus, deixando-se guiar pelo Espírito (Ef 4–6). A carta conclui-se com um convite a prepararem-se para um “combate espiritual” contra todas as potências do mal, contra o antirreino.
A Carta aos Efésios destaca-se pela sua densidade teológica, cristológica e pneumatológica, e, de forma especial, pela concepção de Igreja (eclesiologia). Para o autor de Efésios, Deus, o criador de todas as coisas (visíveis e invisíveis), e seu filho Jesus Cristo, reinam sobre as esferas terrestre e celeste. Nessa visão, o autor desenvolve uma cristologia do senhorio de Jesus Cristo Ressuscitado, aquele que está sentado à direita de Deus (Ef 1,20; 4,8.10), e enfatiza a autoridade cósmica de Cristo. Deus colocou tudo sob seus pés e Cristo enche o cosmo com sua plenitude de vida (Ef 1,22-23). A cruz é compreendida como um ato de reconciliação entre judeus e gentios, constituindo um só corpo, a Igreja (Ef 2,13.16).
O autor emprega o termo “mistério” para designar o segredo de Deus, preestabelecido antes da criação e revelado à humanidade por iniciativa divina, por meio de Jesus Cristo. Esse mistério é desvelado a toda a humanidade, de forma especial aos gentios, integrando-os ao corpo eclesial. Apesar de uma ênfase cristológica, a carta traz vários elementos sobre Deus-Pai e o Espírito Santo, e as funções de cada uma das pessoas divinas no plano salvífico.
O tema central de Efésios é o eclesiológico, sendo a Igreja universal, única e personificada. A Igreja é entendida como um ser em Cristo, por isso sua visão universal não consiste na soma de todas as comunidades locais situadas nas mais diversas partes do mundo, mas por ter como fundamento Cristo. A Igreja se torna mediadora entre o mundo terrestre e o celeste.
Desse modo, tem uma função soteriológica, isto é: baseada nos profetas e apóstolos, ela é o espaço no qual a salvação é oferecida ao mundo. No entanto, o autor de Efésios defende a primazia cristológica em relação à eclesiológica. De fato, Cristo reconciliou os dois grupos da humanidade, judeus e gentios, e fez deles um só povo, um só ser humano novo: a Igreja (2,11-22), que tem como fundamento os apóstolos e os profetas (2,20a); porém Cristo é a pedra angular (2,20b).
Outro tema teológico importante é sobre a vida após a morte e a ressurreição, ou seja, sobre a esperança e a escatologia. Para o autor de Efésios, se aderimos a Cristo, acreditamos que Jesus ressuscitou e carregamos a certeza de que já experimentamos com o batismo o mistério pascal (morte e ressurreição), assim após o batismo já vivemos como ressuscitados, sendo marcados pela comunhão com Deus e com as demais pessoas.
Porém, mesmo já experimentando a ressurreição, é necessário se comprometer com o Reino de Deus aqui na terra, mantendo-se no seguimento de Jesus, por meio da unidade (4,1-16), do empenho em viver como pessoas novas (4,17–5,20), com novas relações familiares (5,21–6,9) e a luta constante contra tudo aquilo que seja contrário ao Reino de Deus, isto é, o pecado (6,10-20).
Assim, ao mergulharmos no estudo de Ef nos deparamos com um escrito perpassado pela presença amorosa de Deus, que se revela no decorrer de toda a História da Salvação. O Deus Criador que desvela seu amor no Filho Cristo Jesus, e nos garante a presença constante do Espírito Santo.
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Zuleica Aparecida Silvano é Irmã paulina e assessora do Serviço de Animação Bíblica – SAB/Paulinas.