Comunicação

Novas tecnologias, novas relações: respeito, diálogo, amizade (I)

43º Dia Mundial das Comunicações

Foto: Pixabay

Em 2009, temos a significativa mensagem de Bento XVI “Novas tecnologias, novas relações. Promover uma cultura de respeito, de diálogo, de amizade” para o 43º Dia Mundial das Comunicações.

Primeiramente, percebe-se a atualidade da mensagem, expressa já no título por parte de Bento XVI, que reafirma o pensamento positivo do Magistério sobre a comunicação, semeado ao longo de seus documentos. É a consideração das “maravilhosas invenções técnicas”, dons de Deus, na medida que criam laços de solidariedade entre as pessoas, e são também o resultado do esforço humano, portanto do processo histórico – científico.

O avanço das tecnologias de comunicação, entretanto, constitui para a Igreja, não somente objeto de “uso” dos meios, mas uma preocupação e um incentivo para perceber a comunicação “mais do que um simples exercício na técnica” (Igreja e Internet,n.3).

A  Igreja, já no seu documento Redemptoris Missio (n.37c-1990), chamava a atenção para um aspecto fundamental que constituiu a grande “reviravolta” da reflexão do magistério eclesial em relação ao mundo da comunicação e que é de capital importância neste momento da historia Igreja-sociedade.

A Igreja esforçou-se para compreender os new media, e progrediu no expressar-se com mais clareza a respeito do impacto que eles têm na construção social, e passou, então, a refletir sobre a comunicação não mais de forma restrita ou somente como “meios” ou “instrumentos” (isolados) a serem usados ou dos quais se precaver.

Mas a Igreja refere-se à cultura da comunicação como que a um “ambiente” no qual estamos imersos e do qual participamos. Trata-se de uma cultura. A cultura midiática, onde a comunicação é o elemento articulador das mudanças que ocorrem na sociedade atual.

Há uma crescente consciência das profundas transformações operadas pelos novos meios de comunicação e, portanto, diz o referido documento “não é suficiente, usá-los [os meios] para difundir a mensagem cristã e o Magistério da Igreja, mas é necessário integrar a mensagem nesta ‘nova cultura’, criada pelas modernas comunicações”.

Um cenário em mudança

Seria redundância dizer que a comunicação é um dos fenômenos mais importantes dos séculos 20 e 21. Hoje, a comunicação é o “tema central” de um grande número de correntes intelectuais que pensam sobre ela, com abordagens de longo alcance que formam um corpo consistente de visões rivais sobre a matéria, embora tem-se de admitir que o campo da Comunicação apresenta-se desarticulado, conflituoso e, por vezes, confuso devido à velocidade e complexidade com que se misturam mercado, tecnologia, e necessidade do ser humano relacionar-se.

O mundo da comunicação se articula, favorece e se movimenta dentro de sistemas existentes que tocam a esfera da antropologia, do sociocultural e, portanto, inclui o âmbito humano-cristão.

No contexto de pós-modernidade, a comunicação, descrita, hoje, com uma variedade e diversidade de definições, conquistou, ao longo do tempo, novos parâmetros junto à economia, à política, à filosofia e à cultura. Não obstante a diversidade de ângulos, há um consenso entre os estudiosos da sociedade ao indicar a comunicação como um aspecto essencial, que articula e move a lógica da mudança hoje.

Não há dúvida de que todo o universo da comunicação foi sensivelmente influenciado, nos últimos anos, pela intervenção de novidades técnicas que revolucionaram as características das modalidades operativas, dos valores e dos aspectos culturais.

O decênio (1990-2000) foi definido como década digital e sua incidência na sociabilidade e modalidades de conexão (relacionamento) no viver cotidiano se configuram como um dos desafios essenciais para pensar e compreender o lugar ocupado pela comunicação, especialmente na sua versão midiática, no mundo contemporâneo.

O progresso das novas tecnologias convive sempre mais com o nosso dia-a-dia e se verifica, de forma crescente, uma invasão eletrônico-comunicativa do social.

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Vivemos em um planeta envolto em uma infinita rede comunicativa onde a pessoa, em qualquer lugar do globo, pode entrar em contato com outra pessoa, cultura, trabalho, entretenimento. Chegou-se a uma etapa na qual cada ser humano se transforma em um “nó” comunicativo coligado a todos os outros. Nessa perspectiva, não se poderá mais viver senão “em rede”. Estamos imersos no fluxo da comunicação midiatizada como se fosse “num aquário”.

Facilmente identificamos as inúmeras modificações na esfera do trabalho, marcado cada vez mais pela presença de computadores, da Internet e dos telefones celulares. Se consideramos o âmbito da educação, são milhares os pesquisadores, professores, estudantes que apostam na Internet, vendo-a como um fator indispensável na evolução do ensino, nas suas formas a distância e presencial.

São indiscutíveis as profundas transformações na área do entretenimento. Iniciando o século 21, já se apresenta a TV digital interativa que, certamente, em um futuro muito próximo se tornará o símbolo de interação com imagens e dados.

Considerando o quadro evolutivo da trajetória da comunicação, mencionado brevemente, e a provocação que a cultura midiática cria e re-cria na sociedade hoje, damo-nos conta de que algo, nunca vivido anteriormente, está se passando e “forjando um novo sujeito” na sociedade, onde permanecem necessidades fundamentais do ser humano, mas modificam-se rápida e profundamente a sua forma de se relacionar. É o que constitui o aspecto antropológico-cultural da mensagem de Bento XVI em seu tema “Novas tecnologias. Novas relações”.

Colocada no contexto da “pós-modernidade”, a comunicação não se restringe a mais um único setor da atividade humana (aquele dos meios de comunicação social). Ela inaugura o advento de um complexo modo de viver, redistribui e interage com a cotidianidade das pessoas, onde se constroem os significados através das formas simbólicas e da diversidade da linguagem da mídia.

Já advertia André Lemos a respeito do ciberespaço, como um novo ambiente que cria uma nova relação entre a técnica e a vida social , espaço onde se encontram as culturas e os vários modos de pensar, de agir, de sentir.

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O eixo fundamental reside no fato de compreender o que significa encontrar-se diante de uma verdadeira “revolução” tecnológica que exige ir além dos instrumentos, e tomar consciência das “mudanças” fundamentais que as novas tecnologias operam nos indivíduos e na sociedade, por exemplo, nas relações familiares, de trabalho, entre outros.

A questão não se coloca, portanto, entre o aceitar ou rejeitar. Estamos diante de um fenômeno global, que se conjuga com tantos outros aspectos da vida social e eclesial. As palavras de João Paulo II na encíclica Redemptoris Missio são claras: “Não basta usar (os meios) para difundir a mensagem cristã…mas é preciso integrar a mensagem nesta “nova cultura” criada pela comunicação social” (n. 37 c).

A questão de fundo, portanto, já não é apenas reconhecer que os meios de comunicação passaram, em pouco tempo, de emergentes na vida social, para uma centralidade na maneira de estruturar e explicar essa vida social. A questão de fundo ultrapassa o “reconhecer” e reside na sua significação, ou seja, no seu lugar social.

Coloca-se, então, aqui o ponto fundamental na discussão atual da cultura digital ou seja, no fenômeno das novas tecnologias, é preciso fazer atenção para não considerar a convergência somente como um processo tecnológico que une múltiplas funções dentro dos mesmos aparelhos.

Mas, a convergência, segundo Henry Jenkins representa, sim, uma transformação cultural, na medida em que consumidores são incentivados em procurar informações e a fazer conexões em meio a conteúdos midiáticos dispersos. Trata-se de uma “cultura participativa” que contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos espectadores dos meios de comunicação.

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Em vez de falar sobre produtos e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos, agora considerá-los como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras que nenhum de nós, realmente, entende por completo. De maneira que a convergência não ocorre, continua Jenkins, por meio de aparelhos, por mais sofisticados que venham a ser. “A convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com outros”.

Refletimos, então, nas novas relações que as novas tecnologias vem provocando e já realizando, como vimos ao longo do texto. Mudam as formas, mas a necessidade humana de nos relacionarmos permanece. É de grande importância reter o conceito fundamental de que o ser humano vive a dinâmica constante de auto-compreensão de si mesmo, bem como de auto-construção. É por isso que sempre falamos de sua necessidade intrínseca de estar em relação consigo mesmo, com a sociedade, com o outro e com o transcendente. O ser humano busca sempre a relação, o contato com o outro.

Especialmente na cultura digital, é enorme a capacidade de relação dos indivíduos com os inúmeros ambientes de informação. São as famosas interfaces, pois se colocam entre os usuários e tudo aquilo que eles desejam obter. O mundo está a um clique, onde se encontram informações, também o excesso, a escolha, a incerteza: isto é, a manipulação de dados, imagens, sons, as conexões através da Web, a formação das comunidades virtuais, oportunidades de protestos, de defesa de direitos humanos, convites às mais variadas formas de participação… que formam o dia-a-dia do individuo hoje. Isto implica em novas relações (R.C.).

Algo importante, porém, é preciso enfatizar na transformação comunicacional: nas múltiplas formas de conhecer, ser e estar, portanto, nos usos das novas tecnologias, “a mente, a afetividade e a percepção são agora estimuladas, não apenas pela razão ou imaginação, mas também pelas sensações, imagens em movimento, sonoridades, efeitos especiais, visualização variada do impossível, encenação de outras lógicas possíveis de construir realidades e se construírem como sujeitos” (SB).

Continue lendo este artigo em:  "...Promover uma cultura de respeito, de diálogo, de amizade" (II)

 

Joana T. Puntel é irmã Paulina. Jornalista, doutora em Comunicação Social pela Simon Fraser University (Canadá) e pela USP-SP. Docente no Curso de Especialização “Comunicação, Teologia e Cultura: teórico/prático” (SEPAC/ITESP. Membro da Equipe de Reflexão sobre Comunicação da CNBB (GRECOM). Membro da INTERCOM  (Sociedade Brasileira de Estudos interdisciplinares da Comunicação). Autora de várias publicações pela Editora Paulinas.
 

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