Vocação Paulina

O caminho da vocação

 

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Tem uma frase no livro Falcão, meninos do tráfico que me choca e desafia: “Se eu morrer, nasce outro que nem eu. Ou pior, ou melhor. Se eu morrer, eu vou descansar. Ah, sonhar... Nessa vida não dá pra sonhar não. Amanhã eu não sei nem se eu vou tá aí. (O bagulho é doido)” 1.   O desafio que esse jovem me lança é de anunciar com mais força e dinamismo que a vida é vocação

Você pode me dizer que falar de vocação não faz sentido algum neste contexto. A partir do que todo mundo pensa de vocação como ser padre e freira talvez seja difícil. Mas a vocação é algo muito mais profundo e anterior à escolha de uma forma de vida; é um caminho que começa muito antes.

A vocação nos faz recordar que a vida tem sentido e valor mesmo que tudo parece um “bagulho doido”. Pois, no meio desta “bagunça” é possível redescobrir que em nós habita a força da vida (Deus) que nos chama e impulsiona a não desistir de nós mesmos, a aceitar os riscos, os fracassos e as crises como parte da aventura de viver. Isto é vocação! Só que não somos habituados a pensar assim. 

Há vários ângulos pelos quais o tema da vocação pode ser abordado, desde a perspectiva pessoal/profissional - dom, talento, aptidão para fazer algo ou ser alguém na vida de um ponto de vista humano -, como também a partir da dimensão da fé – chamado pessoal de Deus à vida, à amizade com Ele, à santidade.

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Esta segunda dimensão da vocação, a partir da fé, tem um “plus” a mais, pois “situa toda a nossa vida diante de Deus, que nos ama e nos permite entender que nada é fruto de um caos sem sentido, mas tudo pode ser integrado em um caminho de resposta ao Senhor, que tem um projeto estupendo para nós” (ChV 248). 

A vocação é sempre uma ação misericordiosa de Deus que vai ao encontro do ser humano, limitado, o elege e chama. Um exemplo disto é o chamado de Mateus que ao ter os olhos de Jesus fixo nos seus experimentou o verdadeiro sentido da misericórdia, do perdão e do chamado.

Um chamado-eleição que foi contra todas as lógicas de uma escolha presente na cabeça dos discípulos. Foi a partir da experiência de encontro com esse olhar misericordioso de Jesus que Mateus foi capaz de “virar a mesa” e seguí-lo. 

Segundo pe. Adroaldo Palaoro, sj, Jesus arrancou Mateus de sua mesa. “Mesa que o distanciava dos outros, mesa da traição do seu povo, mesa da exploração, da solidão, da acomodação, da fixação... Mesa da morte. Na casa de Mateus, Jesus, fundou a mesa da comunhão, da partilha, da festa, mesa da fraternidade onde todos se sentem iguais... Mesa da vida. Trata-se de uma mesa provocativa, questionadora, incômoda... que requer mudança de lugar, de mentalidade, de atitude... transformação interior”. 

Redescobrir a vocação com dom da misericórdia é reassociá-la com conversão, virada da mesa. Pois, a vocação tira aquele que é chamado de sua autorreferencialidade, o liberta de todas as formas de escravidão, o arranca da rotina e da indiferença e o projeta para a alegria da comunhão com Deus e com os irmãos. Segundo Carlos Palácio é “preciso ter passado pela experiência dessa perda de si mesmo para descobrir a alegria de realizar-se ‘perdendo-se’, de ganhar a vida dando-a”. Esse é o grande paradoxo do Evangelho!

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Para vivermos a nossa vocação na perspectiva deste paradoxo é importante ter sempre presente um recado do Papa Francisco: “Jovens, não renuncieis ao melhor da vossa juventude, não fiqueis a observar a vida da sacada. Não confundais a felicidade com um sofá nem passeis toda a vossa vida diante dum visor. E tão pouco vos reduzais ao triste espetáculo dum veículo abandonado. Não sejais carros estacionados, mas deixai brotar os sonhos e tomai decisões. Ainda que vos enganeis, arriscai. Não sobrevivais com a alma anestesiada, nem olheis o mundo como se fôsseis turistas. Fazei-vos ouvir! Lançai fora os medos que vos paralisam, para não vos tornardes jovens mumificados. Vivei! Entregai-vos ao melhor da vida! Abri as portas da gaiola e saí a voar! Por favor, não vos aposenteis antes do tempo.” (ChV, 143)

1 MV BILL, ATHAYDE Celso. Falcão meninos do tráfico. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006. p. 241.

 

 

 

 

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