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No panorama atual das relações familiares, observa-se uma evolução significativa na maneira como pais e filhos interagem. A figura tradicional do pai como único provedor e da mãe como cuidadora exclusiva estão dando lugar a modelos mais inclusivos e emocionalmente engajados.
Pais podem estar cada vez mais presentes, não só em termos de sustento, mas também na esfera emocional, enquanto mães continuam a desenvolver suas carreiras, oferecendo inspiração e exemplo para seus filhos.
No entanto, a correria do dia a dia e os compromissos profissionais muitas vezes criam lacunas de tempo e afeto, exigindo uma qualidade de presença que supere a mera proximidade física.
É claro, há também muita ausência, individualismo e narcisismos nas relações. Escuto, com frequência, algumas crianças dizendo na clínica psicanalítica: “Meus pais dizem que não têm tempo para mim, para brincar, devido ao trabalho, mas nos fins de semana, estão sempre no celular”.
A gratuidade das relações em uma era marcada pelo narcisismo e pelo individualismo é um desafio que se destaca. A cultura contemporânea, muitas vezes ancorada no conceito de "eu", pode obscurecer a essencialidade da alteridade, o que afeta diretamente as relações entre pais e filhos.
É nesse contexto que o perdão se revela como uma ferramenta poderosa de transformação e liberdade. O ato de perdoar entre pais e filhos não é apenas reconciliar erros passados; é uma prática que refresca a relação, permitindo que ambos os lados se vejam e aceitem mutuamente em sua totalidade.
Educação e a arte de perdoar
O processo educativo, nesse sentido, não segue um manual. Cada criança é um universo singular, e reconhecer essa singularidade é crucial para a formação de um adulto equilibrado.
A personalização da educação enfatiza a importância de adaptar estilos e métodos para atender às necessidades individuais de cada filho, promovendo um desenvolvimento saudável.
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Erros são inevitáveis e o reconhecimento desses deslizes por parte dos pais pode ser uma oportunidade para ensinar pelo exemplo, mostrando como se pode recomeçar de maneira construtiva através do pedido de perdão.
Este pedido de perdão é um gesto poderoso e transformador, marcado por uma beleza que transcende as gerações. Quando pais pedem perdão aos filhos, eles não apenas “consertam” um erro, mas também demonstram humildade e respeito pela individualidade e pela subjetividade do filho. Este ato é um legado de liberdade e compreensão que os filhos levarão por toda a vida, influenciando suas próprias relações futuras.
Ressignificando traumas através do perdão
Pais podem errar, mesmo quando tentam acertar. O gesto de perdão é uma demonstração de não absolutização da paternidade ou maternidade, mas de amor, de abertura, de escuta. Como afeto meus filhos? Essa é uma pergunta que deve ser feita constantemente. O afeto se traduz em afetividade ou afetações/traumas?
Por outro lado, filhos também podem perdoar seus pais. Escuto, na clínica psicanalítica, muitos traumas oriundos de rejeição, violência física e simbólica, ausências de pais e mães vivenciados por aquele analisando. Significam traumas, dores, sofrimentos profundos.
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O gesto de perdão não é o esquecimento do que aconteceu, mas uma tentativa de ressignificação. A memória das dores é importante e curativa.
No entanto, entender os limites dos pais que foram criados em outras gerações também é um caminho libertador. A quem não foi ensinado, em algum momento da vida, o amor, dificilmente terá um horizonte de paz.
Escutar o que pais e mães viveram no passado, suas feridas e angústias, pode ser a abertura para o caminho do perdão. Perdoar os “velhos” pais ou até mesmo os que já se foram, é um gesto de desprendimento, de humildade, de atestação da vulnerabilidade humana.
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No entanto, a tendência de substituir a paternidade e a maternidade por outras formas de afeto, como animais de estimação (que podem ser boas práticas sim), é uma manifestação preocupante do egoísmo que infiltra nossa sociedade.
Essa prática não apenas reflete um fechamento antropológico, mas também destaca uma escolha por um estilo de vida que evita a complexidade e as demandas dos relacionamentos humanos.
As consequências dessa escolha são vistas na fragmentação das relações familiares e no isolamento dos mais velhos, um problema crescente em muitas sociedades ocidentais.
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Assim, o perdão entre pais e filhos emerge como uma necessidade crucial em uma era de crescente isolamento e individualismo. Ele funciona como um chamado para reconhecer e valorizar o "nós" em um mundo que frequentemente celebra apenas o "eu".
Ao perdoar, reafirmamos nossos laços comuns de humanidade, reconhecendo que somos todos, de fato, parte de uma teia de relações que define quem somos e como vivemos juntos.
René Dentz é professor do Departamento de Filosofia da PUC-Minas, onde também é coordenador da Pós-Graduação em Teologia e Psicanálise, psicanalista, Doutor em Teologia pela FAJE e Pós-Doutorado em Teologia pela Université de Fribourg, na Suíça. Autor do livro “Perdão: diálogos entre a filosofia e a teologia” (Paulinas, 2024).