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Papa Francisco e a paz, em tempos de guerras atrozes

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Jesus Cristo é o “Príncipe da Paz” (Is 9, 5), “a nossa paz” (Ef 2, 14) e, nas Bem-aventuranças, declara “bem-aventurados os que buscam a paz, pois serão chamados filhos de Deus" (Mt 5, 9). Ora, não seria possível que a Sua Igreja não se empenhasse sempre na busca da paz. Contudo, a compreensão de Seus ensinamentos acontece num processo de amadurecimento, pessoal e histórico. A forma como o povo de Deus viveu sua relação com as guerras e a paz é um dos exemplos mais eloquentes dessa evolução.

Sabemos que Deus quer a paz, mas buscamos a todo tempo justificativas para fazer a guerra (real ou em sentido figurado) com nossos adversários. Nesse sentido, podemos entender que os critérios que definem uma “guerra justa”, apresentados no Catecismo da Igreja Católica (CIC 2309), na verdade são um elenco destinado a dissuadir os belicosos – e não para distinguir os “belicosos justos” dos “belicosos injustos”, como algumas interpretações ideológicas do magistério da Igreja têm feito parecer.

Só a legítima defesa pode ser considerada justa, e mesmo essa apenas quando todas as tentativas de solução pacífica foram tentadas e se sabe que os males decorrentes do ataque serão maiores que os decorrentes da guerra.

Sendo assim, compreende-se a afirmação reiterada do Papa Francisco de que “nenhuma guerra é justa”, pois todas começam a partir de uma agressão militar que poderia ser evitada. Na Fratelli tutti, escreve: “Deste modo facilmente se opta pela guerra valendo-se de todo o tipo de desculpas aparentemente humanitárias, defensivas ou preventivas, recorrendo-se mesmo à manipulação da informação.

De fato, nas últimas décadas, todas as guerras pretenderam ter uma ‘justificação’. O Catecismo da Igreja Católica fala da possibilidade duma legítima defesa por meio da força militar, o que supõe demonstrar a existência de algumas ‘condições rigorosas de legitimidade moral’. Mas cai-se facilmente numa interpretação demasiado larga desse possível direito. Assim, pretende-se indevidamente justificar inclusive ataques ‘preventivos’ ou ações bélicas que dificilmente não acarretem ‘males e desordens mais graves do que o mal a eliminar’ [...] Assim, já não podemos pensar na guerra como solução, porque provavelmente os riscos sempre serão superiores à hipotética utilidade que se lhe atribua. Perante esta realidade, hoje é muito difícil sustentar os critérios racionais amadurecidos noutros séculos para falar duma possível ‘guerra justa’. Nunca mais a guerra!” (FT 258).

Mais adiante, insiste: “Toda a guerra deixa o mundo pior do que o encontrou. A guerra é um fracasso da política e da humanidade, uma rendição vergonhosa, uma derrota perante as forças do mal” (FT 261)

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Algumas conclusões, referentes aos dois conflitos mais midiáticos de nosso tempo, as guerras na Ucrânia e na Terra Santa, se tornam inevitáveis a partir dessas considerações. Por exemplo, nenhuma alegação – verdadeira ou falsa – justifica a agressão de uma potência militar do porte da Rússia à Ucrânia. Ataques terroristas como os do Hamas são inaceitáveis, ainda que reconheçamos todas as dificuldades pelas quais passa o povo palestino.

Uma retaliação em larga escala, por parte de Israel, que leva o caos e a morte à população civil na Faixa de Gaza, não pode ser justificada com base na ideia de “legítima defesa” – trata-se de uma daquelas “desculpas humanitárias, defensivas ou preventivas” para justificar “ações bélicas que dificilmente não acarretem ‘males e desordens mais graves do que o mal a eliminar”, como se lê na Fratelli tutti.

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Contudo, as declarações do Pontífice, diante das situações concretas, raras vezes trazem uma condenação explícita a um dos lados do conflito. Resumem-se, quase sempre, a clamar pela paz, pedir orações e solidariedade às vítimas (veja-se, por exemplo, a mensagem de vídeo pedindo a paz na Terra Santa). Em parte, isso se deve à evidente necessidade da intervenção divina e da solidariedade humana para com aqueles que morreram ou que estão sofrendo as consequências do conflito.

Mas também a uma posição cautelosa do papa, que procura apresentar os critérios de forma clara, mas evitar a eventual condenação daqueles que agem de boa vontade, procurando defender sua pátria (veja-se, por exemplo, suas respostas na entrevista do voo de regresso do Cazaquistão).

Por outro lado, um dado da psicologia humana e da diplomacia internacional é que as pessoas e os Estados, uma vez recriminados, tendem a fechar-se ao diálogo. Assim, o Vaticano evita, dentro do possível, uma posição que dificulte ainda mais o diálogo e as negociações entre as partes. 

Nossa grande dificuldade é que a polarização ideológico-partidária se apossa dos discursos referentes às guerras. Tentam nos fazer pensar em termos de ser pró-americanos ou antiamericanos, de direita ou de esquerda. Com isso, corremos o risco de abandonar aquela simples e pura defesa da paz que deve ser um traço até identitário de todo cristão.


Francisco Borba Ribeiro Neto é Coordenador do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP).

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