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Chegou o primeiro Documento do Papa Leão XIV. Era aguardado desde a sua eleição há cinco meses. Dilexi te! Eu te amei!. O título retirado do Apocalipse (3,9) é explicado pelo próprio Papa como expressão do amor de Deus aos mais fracos: “A declaração de amor do Apocalipse remete para o mistério insondável que foi aprofundado pelo Papa Francisco na Encíclica Dilexit nos sobre o amor humano e divino do Coração de Jesus”.
A Exortação Apostólica é sintética: uma pequena Introdução e cinco capítulos que compõem 121 parágrafos.
Uma herança de Francisco e o compromisso com os pobres
Algumas observações preliminares podem ser importantes para situar o documento:
a) o primeiro documento de um Papa é sempre um ato inaugural do pontificado; mesmo que, no caso, não seja apresentado como programático oferece o tom das posturas e dos ensinamentos que virão;
b) a Exortação é herança direta do Papa Francisco que a preparava no fim de seu pontificado;
c) a questão dos pobres é escolhida como o vinculo entre os dois pontificados: “Ao receber como herança este projeto, sinto-me feliz ao assumi-lo como meu”;
d) Leão XIV inaugura seu magistério com um documento que será inserido na sequência histórica da Doutrina Social da Igreja, o que expressa com coerência a escolha de seu nome, referindo-se Leão XIII, considerado o pai dessa tradição;
e) a Exortação foi lançada no dia 4 de outubro, gesto simbólico que liga o santo pobre de Assis com Papa Francisco e, o vinculo entre os dois: a opção pelos pobres;
f) no pré-texto do novo texto se encontra o missionário que escolheu viver com os pobres do Peru e bebeu da tradição eclesial e teológica vivenciada pelas Igreja do continente como aplicação concreta das decisões conciliares.
Uma teologia dos pobres enraizada na tradição da Igreja
A Exortação é tão concisa quanto rica; expressa em sua estrutura geral e em seu estilo uma teologia madura dos pobres e partir dos pobres que faz a síntese entre a tradição vivenciada e refletida na América Latina e o ensino social da igreja. Na sequência direta dos ensinamentos de Francisco, o Papa Leão não deixa dúvidas sobre o imperativo da opção pelos pobres para a fé cristã.

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No primeiro capítulo (Algumas palavras indispensáveis) oferece um mapeamento inicial da questão dos pobres do ponto de vista teológico (o vínculo entre Jesus e os pobres), histórico (os pobres como dado real), político (os usos ideológicos da condição de pobreza) e conceitual (as conotações e dimensões que envolvem os pobres e a pobreza).
Os capítulos seguintes focam nos fundamentos teológicos (Deus escolhe os pobres, capítulo II) e nas consequências eclesiais no passado e no presente da Igreja: Uma Igreja para os pobres (capítulo III), Uma história que continua (Capítulo IV) e os desafios permanentes da solidariedade para com os pobres (Um permanente desafio, Capítulo V).
Algumas observações gerais. A reflexão é tecida com um olhar diacrônico na medida em que expõe um vinculo entre as fontes bíblicas, a Igreja primitiva, a Igreja antiga/medieval, Igreja moderna e atual.
A opção pelos pobres formulada pela Igreja Latino-americana na verdade atravessa os fundamentos, o mistério e a missão da Igreja das suas origens aos dias atuais.
Nessa sequência, valem destacar o resgate das fontes patrísticas e das ordens religiosas, as pontuações sobre o Vaticano II e as contribuições do magistério local da Igreja latino-americana.

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Pobres no centro da missão: um chamado à conversão pessoal e estrutural
A costura histórica não deixa dúvidas: os pobres estão no centro da missão da Igreja por serem os escolhidos de Jesus, o Deus encarnado. A reflexão pode ser olhada também do ponto de vista sincrônico (dos conceitos que a estruturam do início ao fim):
a) a perspectiva teológica como central: os pobres estão situados dentro da revelação de Deus (5), os pobres são a presença de Cristo na história (18,79), essa presença se insere no mistério da encarnação (18, 110), a opção pelos pobres como caminho de santidade (3,28), a pobreza como resultado do pecado individual e coletivo (22, 90-98);
b) a perspectiva estrutural: os pobres escolhidos de Deus não são resultados da natureza ou da fatalidade, mas de estruturas injustas (12, 14, 81, 84, 90-98); essas estruturas devem ser superadas com a contribuição da Igreja e de políticas adequadas (10, 15, 81, 97);
c) a pobreza evangélica como identificação com os pobres e compromisso com sua libertação (7,35, 36, 38, 53, 61 etc); d) a opção pelos pobres como imperativo ético para os seguidores de Jesus (31).
Eu te amei! Deus amou os pobres por primeiro. A Igreja continuadora do projeto de Jesus Cristo é convocada a seguir o mesmo caminho. A sociedade justa acontecerá com a superação das condições geradoras da pobreza. Os seguidores de Jesus não podem ser indiferentes à dor dos pobres e repetir os preconceitos para com os pobres que perpassam nossa cultura.
A opção pelos pobres é um caminho ético que está vinculado ao escatológico: a nossa salvação ou perdição. O tempo da acolhida (da recepção) do magistério de Leão XIV está aberto e solicita ações planejadas de todos os sujeitos eclesiais.
A Exortação pode gritar no deserto das injustiças e dos impulsos consumistas que dominam o planeta, mas conta com a adesão dos seguidores de Jesus. Negar os pobres é negar o próprio Deus que se fez carne e se faz presente na carne nos pobres e sofredores.
João Décio Passos é doutor em Ciências Sociais e professor de Teologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Editor da Paulinas Editora.
