Foto: Arquivo Paulinas
Entre as personagens femininas que povoam os Evangelhos e cujos encontros com Jesus são descritos como experiências vitais plenas e luminosas de amor e compaixão há uma que se destaca de maneira evidente e forte. Trata-se de Maria de Magdala, de quem é dito que Jesus expulsou sete demônios. Como sete, na Bíblia, é o número da perfeição e da totalidade, podemos imaginar o estado em que se encontrava esta mulher quando Jesus de Nazaré cruzou seu caminho e tratou-a com respeito e amor.
Não admira que o Evangelho vá mencioná-la, a partir desse encontro não narrado, mas apenas mencionado, como parte integrante do grupo de mulheres que, juntamente com os discípulos, seguia Jesus desde a Galiléia.
No dia 22 de julho, a Igreja celebra a festa desta santa que talvez seja a que nos é mostrada nos Evangelhos como mais próxima de Jesus e amando-o com mais desvelo e paixão que nenhuma outra. A tradição da Igreja, na sua interpretação do Evangelho, igualmente a identifica em passagens evangélicas nas quais o evangelista omite seu nome. Uma dessas é Lucas 7,36-50, onde toma lugar em banquete na casa do fariseu para o qual Jesus é convidado. A refeição judaica, com todas as suas prescrições rituais, está em pleno desenrolar quando o evangelista menciona a entrada intempestiva de uma mulher, pessoa notória na cidade por seu comportamento pouco recomendável.
A tradição da Igreja e a espiritualidade cristã identificam esta mulher com Maria Madalena e descrevem seu comportamento apaixonado, que a faz atirar-se aos pés de Jesus e não cessar de lavá-los com suas lágrimas, beijá-los com amor e carinho, enxugá-los com seus cabelos e perfumá-los com precioso perfume. O anfitrião se escandaliza. Bom fariseu que conhece a Lei, não fala mas pensa que se Jesus era profeta não poderia se deixar tocar por aquela prostituta, sabendo bem que o tornaria imediatamente impuro.
Jesus, porém, valoriza o gesto da mulher por causa do amor que ela demonstra. Aquela mulher ama demais, está louca de amor. Por isso não se importa com regras, convenções, etiquetas. Quer apenas demonstrar àquele que tanto ama sua devoção, sua gratidão, seu carinho sem limites. Jesus declara que seus muitos pecados foram perdoados porque ela muito amou. Mas àquele a quem pouco se perdoa pouco ama. E com isso critica aqueles que, como seu anfitrião, vive preso a normas e regras, e não consegue acolher gestos surpreendentes e inesperados de amor.
Mais tarde, em outra circunstância e em outro evangelho - o de João - vamos reencontrar Maria Madalena. Desta vez sozinha, desolada e inconsolável. Teve que presenciar, com o coração destroçado, a morte do Mestre tão querido. Teve que ver seu corpo inanimado baixar da cruz e descer à sepultura. E ao terceiro dia, ao ir ao túmulo para perfumar e ungir seu cadáver, encontra o túmulo vazio.
Ao jardineiro que lhe pergunta por que chora, só sabe responder: "Tiraram meu Senhor e não sei onde o puseram". Ouvir o próprio nome pronunciado pelo Ressuscitado trouxe de volta a vida e o sorriso ao desconsolo de Maria Madalena: "Maria". E ali seu pranto se transformou em coragem e impulso para a missão à qual entregou o que lhe restava de vida. Padroeira das mulheres que amam demais, que sofrem por causa do seu amor, que não têm medo nem timidez em demonstrá-lo ainda que com escândalo de tudo e de todos, Maria Madalena nos diz, em sua festa, que vale a pena correr o risco de amar.
Amar muito, amar demais, amar para sempre, amar loucamente. Apesar do muito sofrimento que um amor muito grande pode trazer, não é nada em comparação com a alegria do perdão recebido, do nome pronunciado, da vida resgatada e do sentido reencontrado. Em meio à precariedade e fragilidade das relações amorosas de hoje, Maria Madalena pode ensinar a homens e mulheres que o amor ainda é a única coisa que dá sentido à vida, a qual sem ele seria absurda.
Maria Clara Bingemer, é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de “Santidade: chamado à humanidade”, pela Editora Paulinas, entre outros livros.
Leia também