Na Bíblia, lemos um provérbio semelhante: “Cão vivo vale mais do que leão morto” (cf. Ecl 9,4). Na cultura judaica, o cão era considerado um animal impuro e, por isso, desprezível. Era uma ofensa chamar um judeu de cão (cf. Fl 3,2). O leão era exatamente o contrário, visto como o símbolo da realeza e do poder. No Antigo Israel, a honra e o poder eram muito importantes. Era questão de existência social.
O provérbio atual tem o mesmo sentido. A covardia é um grave defeito, pois impede a pessoa de se arriscar. Em geral, a covardia vem com o medo e o conformismo, revelando insegurança. Covarde é a pessoa que desiste antes de lutar. Ninguém gosta de ser chamado de covarde. O dito faz oposição entre covarde e herói, que é valorizado, estimado e desejado. Na Bíblia como na vida, vale o estar vivo.
No tempo de Eclesiastes, havia a teologia da retribuição que garantia vida longa, riqueza e descendência como recompensa para quem observa a Lei, especialmente as leis da pureza e os sacrifícios obrigatórios, oprimindo e discriminando as pessoas. Em sua reflexão, Eclesiastes conclui o contrário do pensamento oficial: “Tudo é igual para todos, uma mesma sorte cabe ao justo e ao mau, ao bom e ao puro como ao impuro, ao que oferece sacrifícios e ao que não oferece, ao bom e ao pecador, ao que faz juramento como ao que teme fazê-lo” (cf. Ecl 9,2). Então de que adianta ser justo seguindo a leis da pureza, se o fim é igual para todos?
Em sua argumentação, o sábio afirma: “Uma coisa é certa para todos os vivos: cão vivo vale mais que leão morto. Os vivos sabem: morrerão; mas os mortos não sabem coisa alguma. Para eles já não há mais recompensa, pois sua memória é esquecida”. De acordo com a mentalidade da época, tudo acaba aqui. Portanto, o provérbio usado reforça o sentido da vida.
A morte é a única certeza que temos na vida. A prática da justiça deve ser vivida na gratuidade, sem esperar a retribuição de Deus. Como a morte é uma realidade inevitável, cada pessoa é chamada a viver intensamente o momento presente, ser feliz e fazer o bem sem esperar nada em troca. É diante da morte que sentimos a nossa impotência e nos damos conta de que a vida está acima de tudo.
Maria Antônia Marques é professora de Sagradas Escrituras no ITESP (Instituto São Paulo de Estudos Superiores) e assessora do Centro Bíblico Verbo.
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