Esse ditado se encontra em Provérbios capítulo 27, versículo 15. Não é difícil perceber que ele foi escrito por um homem.
Também não é difícil perceber que ele provém de um contexto social machista. Na verdade, o Antigo Testamento surgiu em uma sociedade patriarcal e as marcas dessa organização social são perceptíveis em suas páginas.
Também o Novo Testamento provém de uma sociedade patriarcal, embora com características patriarcais um pouco menos acentuadas do que no Antigo.
Nas sociedades patriarcais, as mulheres têm pouca importância e sua presença se restringe ao ambiente doméstico.
Mesmo entre os homens, nem todos são ou serão patriarcas, pois essa sociedade também é dividida em senhores e servos, concidadãos e estrangeiros, adultos e crianças, e ainda outras estratificações.
Nas sociedades, de um modo geral, há provérbios que existem para legitimar as estratificações sociais, veiculando preconceitos sexistas e racistas, e, às vezes, ambos ao mesmo tempo.
Também há ditados criados para ridicularizar as lutas de quem busca se libertar desses preconceitos e criar uma ordem social justa para todas as pessoas.
Diante de um provérbio ou ditado popular é sempre bom se perguntar qual o tipo de mensagem que ele veicula. Para a Bíblia também é assim. Essa pergunta ajuda a aguçar o senso crítico. Depois, é preciso reescrever o provérbio, não na Bíblia, que já está escrita, mas na vida, na qual todo novo dia é uma página ainda em branco.
Vamos então reescrever o provérbio acima: “Goteira pingando em dia de chuva e pessoa briguenta são a mesma coisa”. Afinal, morar com uma pessoa briguenta, seja homem ou mulher, é ruim demais, não é verdade?
Cláudio Vianney Malzoni é doutor em exegese bíblica pela Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. Atualmente é professor e pesquisador no Programa de Pós-graduação em Teologia da Universidade Católica de Pernambuco.
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