Este é um conhecido provérbio popular. É verdade que, na prática, dependendo do trabalho ou profissão, nem todas as pessoas precisam acordar cedo para poderem receber a ajuda de Deus.
Além disso, há muitas outras que madrugam para trabalhar e, por mais que se esforcem e esperem ajuda divina, não conseguem romper a bolha de pobreza em que nasceram, por exercerem atividades mal remuneradas injustamente no mundo do trabalho.
Contudo, nesse ditado, pode-se interpretar uma advertência contra a acomodação e mesmo contra a “preguiça”.
Na Bíblia, esta passagem (Pr 6,6-11) conclama a pessoa preguiçosa a aprender com a sabedoria da formiga e insiste para que aprenda como ensinamento sapiencial a disciplina da formiga nos afazeres cotidianos: sem a necessidade de esperar as ordens de chefes, as chicotadas de capatazes e a autoridade de governantes, a formiga sabe trabalhar socialmente, no momento oportuno.
E a crítica à inatividade da pessoa preguiçosa vai além, ao questionar “até quando” cruzará os braços, descansará, folgará e dormirá? A inatividade provocada pela preguiça atrai duas ameaças que vêm sorrateiramente: a “indigência, como um salteador; e a "pobreza”, como “um homem armado”.
Eis o texto, muito bem construído do ponto de vista literário:
6 Vai, ó preguiçoso, até a formiga, observa seu proceder e torna-te sábio! 7Ela não tem guia nem capataz nem mestre:
8no verão, prepara sua comida;
no tempo da ceifa, junta seu alimento. 9 Até quando dormirás, ó preguiçoso? Quando te levantarás de teu sono?
10Dormes um pouco, outro pouco dormitas,
outro pouco cruzas as mãos para dormires;
11tua indigência vem como um salteador,
e tua pobreza, como um homem armado.
(A Bíblia, Pr 6,6-11)
No âmbito da sabedoria bíblica, a preguiça é um desrespeito ao tempo cronológico, dádiva de Deus. Há “um tempo de plantar e um tempo de colher o que se plantou” (Ecl 3,2).
E, depois do trabalho árduo, espera-se o tempo oportuno de se recompor, atar as feridas, “tempo de curar”, tempo do lazer, “rir”, “dançar”, “abraçar”, “amar”, enfim, tempo de “paz” (Ecl 3,3-8).
As conquistas do trabalhador ao longo da história atestam o desejo de se ter direito ao descanso. As leis trabalhistas são, desse modo, um conjunto de regulamentos e normas que buscam estabelecer direitos, em meio aos deveres no mundo do trabalho. Elas têm por principal objetivo criar relações de trabalho mais seguras, éticas e equilibradas.
Mas, para que os direitos sejam garantidos, há de se cumprir os deveres. Daí o texto advertir para que a pessoa não esmoreça.
A “indigência” que já é assegurada pelas circunstâncias conjunturais de opressão no mundo do trabalho, com o esmorecimento da pessoa desiludida, desesperançada e desanimada, “vem como um salteador” roubar o pouco que lhe resta. A “pobreza”, que é consequência dessa conjuntura desafiadora, vem “como um homem armado” disposto a matar sem piedade.
Enfim, temos aqui um provérbio que conclama a sair da acomodação e do desânimo. Mais do que uma chamada de atenção contra pessoas “preguiçosas”, é uma convocatória a não desanimar e ir à luta: “Trabalhadores e trabalhadoras de todos os países, uni-vos!”.
João Luiz Correia Júnior é teólogo, Doutor em Teologia pela PUC-RIO, com ênfase na área dos Estudos Bíblicos. É professor da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).