Esse é um ditado popular muito conhecido. Na literatura sapiencial da Bíblia não aparece diretamente, mas encontramos em Eclesiastes 7,13 este provérbio: “Vê a obra de Deus! Quem, pois, pode endireitar o que ele entortou?”.
Essa frase está inserida em Ecl 7,1-29, numa bela reflexão sobre o que vem a ser “o melhor” para uma pessoa sábia. Nem sempre, para quem observa atentamente a realidade, tudo parece óbvio, compreensível, claro a olho nu, sem os instrumentos adequados à observação.
Mesmo com o advento da Ciência, com suas inúmeras especializações, tem sempre algo que foge ao entendimento em meio à complexidade da existência.
Daí o questionamento sapiencial de que, ao ser humano, não é impossível compreender claramente a realidade e, muito menos, endireitar o que a seus olhos parece torto, pois, aí está presente o mistério de algo que lhe escapa à compreensão imediata.
Limitada e torcida é a condição humana porque não é capaz de compreender com clareza os detalhes que lhe parecem irregulares ou tortos nos acontecimentos da vida cotidiana.
Essa percepção da impotência diante do imponderável pode levar ao conformismo que leva a colocar em Deus a responsabilidade do que não compreendemos da realidade presente e dos rumos da história que virá, sem dúvida.
Mas é também oportunidade para ser realista e fazer uso da sabedoria diante de situações que nos parecem obscuras à compreensão racional: “Vê a obra de Deus! Quem pode endireitar o que ele entortou?”. Como diz o provérbio popular: “Deus escreve certo por linhas tortas”.
No versículo seguinte, o complemento desse questionamento sapiencial tem uma sugestão de como proceder sabiamente: “No dia bom, fica no bem. E no dia mal, revê. Tanto este como aquele Deus fez. Sobre tal coisa o ser humano nada encontrará atrás de si”. A sabedoria está em desfrutar o tempo de prosperidade: no dia em que tudo vai bem, fica bem: saboreia!
Não é o muito saber que sacia e satisfaz o mais íntimo do ser humano, mas o sentir e saborear os acontecimentos, como diria o místico Santo Inácio de Loyola.
Contudo, ao desfrutar e saborear o dia bom, o prazer logo se esvai. Por isso, o “dia mal” tem o seu contributo: permite “rever”, refletir, ponderar. Valorizar os dois momentos é oportunidade para aprender, tirar proveito, construir uma sabedoria prática. Desse modo, oferece perspectiva para o futuro.
A sabedoria contida no livro do Eclesiastes é mesmo para questionar a vã sabedoria humana, em sua vaidade de tudo compreender do ponto de vista racional, de forma imediata. O ambiente em que surge esse texto bíblico (século III a.C.) é de desilusão com a cultura dominante: a grega.
Nesse contexto, a sabedoria bíblica chega ao ponto de considerar vaidade o afã (esforço) humano de desejar alcançar a sabedoria meramente intelectual: “Sopro de sopros, tudo é sopro. Que proveito há para um ser humano em todo o seu esforço, no que se esforçava sob o sol?”. “Uma geração vai e uma geração vem, mas a terra para sempre permanece (...) O torto não pode endireitar-se, e o que falta não pode ser contado”.
A sabedoria contida no provérbio popular “Deus escreve certo por linhas tortas” e, de outra forma, no livro do Eclesiastes, “Quem pode endireitar a obra que Ele entortou?” expressa bem a consciência do limite diante do que a mente não alcança, bem como o desejo de encontrar sentido e ser feliz, numa existência tão breve. A chave do sentido está nos verbos “ver”, “desfrutar”, “refletir”.
João Luiz Correia Júnior é teólogo, Doutor em Teologia pela PUC-RIO, com ênfase na área dos Estudos Bíblicos. É professor da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).
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