Para os antigos israelitas, também para os povos vizinhos a Israel, que tinham na memória os perigos dos muitos ambientes hostis e das condições incertas de vida, enfrentados por quem viveu de forma nômade ao longo de incontáveis gerações, e que ainda conservavam muitos elementos do nomadismo em suas culturas, amizades fortes e companheiros leais eram essenciais para a sobrevivência.
Um verdadeiro amigo que estava ao lado “em todos os momentos” era altamente valorizado. O sentido do mashal (pronuncia-se “maxal”) é que o amigo de verdade ama em todo o tempo, quando tudo vai bem e quando os tempos não são favoráveis. O amigo ama sempre.
Nas culturas coletivistas do antigo Oriente Próximo, a identidade pessoal e a segurança estavam profundamente ligadas aos relacionamentos. Um amigo que amava “em todos os momentos” representava um vínculo precioso. Era preferível aos bens materiais e à proteção das armas.
Esse provérbio – chamado de mashal, em hebraico, o idioma em que o Antigo Testamento foi escrito – teria ressoado como um contraponto à experiência de amigos de “bom tempo”, aqueles que só ficam por perto quando é conveniente. A sabedoria aqui é valorizar aqueles amigos raros que permanecem firmes nos bons e maus momentos.
Então, no contexto da vida dos antigos israelitas e do Oriente Próximo, esse provérbio comunicava sabedoria atemporal sobre o valor de amizades leais e duradouras, numa realidade social crítica para aquelas comunidades.
A segunda frase de Provérbios 17,17 faz um paralelismo sinonímico com a primeira. É muito comum nesse tipo de mashal usar paralelismo sinônimo para reforçar e expandir o significado da primeira frase.
O sentido mais profundo de que o “amigo ama em todo o tempo” é que na “hora da angústia nasce o irmão”. Isso é muito significativo porque naquelas sociedades tribais, um irmão representava um vínculo familiar ainda mais forte do que a amizade.
A melhor tradução seria “o irmão nasce para a adversidade”. Portanto, o mashal alude ao papel crítico que a família desempenhava em fornecer apoio, proteção e solidariedade em tempos de dificuldades e de lutas.
Ter parente próximo que estivesse ao lado e viesse em seu auxílio em tempos de crise era algo inestimável. Os membros da família eram aqueles que demonstravam seu amor e lealdade precisamente quando os tempos eram difíceis, não apenas nos bons tempos.
Então, o amigo verdadeiro é isto. Este provérbio ressoa como um lembrete de que os verdadeiros amigos são aqueles que amam sempre e existem para o tempo da adversidade, quando realmente se sabe com quem se pode contar.
Uma amizade verdadeiramente fiel refletia o amor inabalável de Deus para com seu povo.
Aíla L. Pinheiro de Andrade é religiosa pertencente ao Instituto Religioso Nova Jerusalém. Possui Licenciatura em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará, bacharelado, mestrado e doutorado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). É professora no Programa de Pós-graduação em Teologia da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). É autora de Paulinas Editora.