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Série especial: “O amor encobre uma multidão de pecados”

Entenda o provérbio “O amor encobre uma multidão de pecados”

 

O amor, muitas vezes, tem sido usado, em nossa sociedade, como justificativa para comportamentos irresponsáveis em relação ao próximo.

Expressões como o famoso jargão hippie “faça amor e não faça guerra” ou o lema esotérico “faça o que tu queres, pois é tudo da lei” distorcem o verdadeiro significado do amor. Até a famosa frase de Santo Agostinho, “ama e faze o que quiseres”, tem sido mal interpretada.

No entanto, para a tradição cristã, o amor tem um referencial claro: Jesus Cristo é a medida do amor a ser vivido.

Na Palavra de Deus, encontramos a frase “o amor cobre uma multidão de pecados” (1Pd 4,8). Contudo, é essencial entender essa passagem no contexto em que se encontra, especificamente em 1Pedro 4,7-11. O autor lembra que, segundo a crença da época, a parusia (segunda vinda de Cristo) está próxima, e por isso a comunidade deve viver com sensatez e sobriedade, mantendo um amor intenso entre seus membros, o qual cobre uma multidão de pecados.

Provavelmente, a relação entre os membros da igreja estava sendo abalada por conflitos, e a solução para esses problemas seria o amor, o perdão e a reconciliação. Além disso, os membros deveriam praticar a hospitalidade e administrar os dons que receberam por meio do batismo, colocando-os a serviço dos outros para que Deus fosse glorificado.

Percebe-se que o amor não serve como justificativa para comportamentos condenáveis. No versículo 3, o autor condena práticas como dissoluções, concupiscências, embriaguez, glutonarias, bebedeiras e idolatrias abomináveis. Portanto, a ideia comum de que, se há amor, tudo é permitido, não tem base na Palavra de Deus nem na tradição cristã.

Como ensinado por Paulo, “tudo é permitido, mas nem tudo convém ao cristão” (1Cor 6,12), pois o referencial de sua vida é Jesus Cristo. O modo de amar o próximo, a família, os pobres e os sofredores deve ser conforme o exemplo de Jesus, que amou e se dedicou a essas pessoas.

Na vida concreta de Jesus, não houve espaço para o pecado, a maldade, o egoísmo ou a violência. Mesmo quando o Antigo Testamento estabelecia como critério o amor ao próximo como a si mesmo (Lv 19,18), Jesus introduziu uma nova norma: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13,34). Jesus amou e ensinou-nos a amar até mesmo os inimigos (Mt 5,44).

João define que "Deus é amor" (1Jo 4,8), e a palavra grega utilizada para amor é ágape, que significa amor, doação. Se fomos criados à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26), podemos concluir que fomos criados à imagem e semelhança do amor. Além disso, podemos afirmar que o ser humano foi criado à imagem e semelhança do Verbo de Deus, Jesus Cristo, que preexistia antes de todas as coisas (Jo 1,1-3).

Nesse sentido, o ser humano realiza plenamente a sua vocação à medida que ama como Jesus amou. Uma vida autêntica é uma vida de amor.

Quando se diz que "o amor cobre uma multidão de pecados" (1 Pd 4,8), podemos entender que o critério último para avaliar uma vida autêntica diante de Deus é o amor. São João da Cruz afirmava: "No fim seremos julgados pelo amor".

O critério de Deus para avaliar nossa vida não são os nossos pecados e erros, como certos pregadores moralistas ensinam, mas sim o amor vivido concretamente no cotidiano. Vale mais para Deus o amor, a caridade vivida, mesmo em pequenos gestos, do que os erros que cometemos.

No entanto, saber disso não deve justificar uma vida irresponsável ou imoral em relação ao próximo, pois o amor genuíno, cristão, é um amor serviçal, caritativo e doador da própria vida.

Paulo ensina que "o amor não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade" (1Cor 13,6), e podemos concluir que quem verdadeiramente ama é incapaz de cometer o mal contra o próximo.

Quais pessoas de sua família e comunidade, cujo amor, assemelham-se ao amor de Jesus?

 

Frei Inácio José, OdeM é doutorando em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), bolsista FAPEMIG.


 

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