A mensagem do versículo 13 do capítulo 8 de Provérbios revela que o “temor do Senhor” não é um medo servil, mas um profundo respeito e reverência a Deus, que conduz à rejeição do mal, à superação da arrogância, à ressignificação do comportamento e à renúncia das palavras que vão na contramão da verdade. Unido à busca de uma fé esclarecida, é importante estabelecer a diferença entre o significado da expressão “temor de Deus” e “temor a Deus”.
O “temor de Deus” (igual ao “temor do Senhor”) é a postura do zelo, no sentido de respeito à santidade divina, já o “temor a Deus” é a conduta do medo, no sentido de pavor da ira divina. O que decorre do zelo eleva, mas o que decorre do medo paralisa. Existem muitas pessoas que cultivam experiências de fé que, ao invés de libertar, aprisionam, e ao se permitirem aprisionar, perdem a capacidade de viver com plenitude e confiança na misericórdia divina, vivendo em constante ansiedade e insegurança.
A postura do zelo, sim; a postura do medo, não
O cultivo da consciência do respeito profundo ao divino enseja às pessoas de fé religiosa um duplo benefício simultâneo: visão de propósito e força interior. A visão de propósito orienta suas ações em direção ao bem, alinhando-as com valores que transcendem interesses egoístas, enquanto a força interior sustenta a perseverança diante das adversidades, ancorada na confiança de que viver segundo a vontade divina é um caminho de plenitude e verdade.
A sabedoria do provérbio em aprofundamento alcança o concreto da vida das pessoas, demonstrando que orgulho, soberba, má conduta e falsidade são atitudes que corrompem o coração humano e prejudicam as relações interpessoais. Em tempos de “informações falsas” e “perfis falsos” em redes sociais, a mensagem que trata do que é detestável (por exemplo, “má conduta” e “falsidade”) revela a corrupção do coração humano e o afastamento dos valores como verdade, empatia e justiça.
O “termo de Deus” – expressão que evoca o melhor em nós – é um convite à conversão diária, já que pessoas de fé religiosa estão na companhia das boas notícias, isto é, as que qualificam o sentir, o pensar e o agir. As notícias qualificadoras fortalecem a interioridade humana, levando as pessoas do zelo divino a permanecerem no bem (e não no mal), na humildade (e não no orgulho), na simplicidade (e não na soberba), na integridade (e não na má conduta), na sinceridade (e não na falsidade).
Quem é movido pelo “temor a Deus” aprisiona a si a uma imagem destoante do divino; quem é movido pelo “temor de Deus” cultiva em si mesmo uma imagem harmoniosa do divino, uma vez que o “temor de Deus” transcende o medo e se transforma em respeito profundo, reverência e admiração pela grandeza divina que se manifesta, e se estabelece, na escolha do bem, na promoção da solidariedade e na vivência da compaixão.
José Fabrício Rodrigues dos Santos Cabral é doutor em Ciências da Religião. Atualmente é professor e pesquisador da Universidade Católica de Pernambuco.