No livro do Eclesiastes, há o provérbio: “o que é torcido não se pode endireitar” (Cf. Ecl 1,15), que pode ser atualizado pelo conhecido ditado popular “pau que nasce torto nunca se endireita”. Essa é uma expressão realista sobre a imutabilidade de certas características ou situações da vida.
Nos versículos anteriores, o autor do Eclesiastes, chamado Qohélet em hebraico, se apresenta como alguém que examinou tudo o que acontece “debaixo do sol”, ou seja, em todo o mundo, e conclui: “tudo é vaidade e correr atrás do vento!” (Cf. Ecl 1,14). Você já se imaginou correndo atrás do vento? Percebeu que é uma tarefa inglória? Você corre, corre, mas não pega nada.
Nessa mesma lógica, outra expressão marcante do Eclesiastes é “vaidade das vaidades, tudo é vaidade” (Cf. Ecl 1,2; 12,8) – que, na verdade, seria mais bem traduzida do hebraico como “vazio dos vazios, tudo é vazio”, pois “vaidade” aqui não tem um sentido ético ou moral. O termo faz referência ao vazio, efemeridade, vapor que se dissipa no ar.
Comportamentos imutáveis
Dessa forma, tanto “correr atrás do vento” quanto “vazio dos vazios” contextualizam o provérbio de Ecl 1,15: “pau que nasce torto nunca se endireita”. Qohélet nos alerta para aspectos da natureza humana que parecem impossíveis de mudar. É como se a mente humana fosse condicionada, acumulando experiências que, ao longo do tempo, fazem a pessoa se acostumar até mesmo com situações ruins, como se fossem uma segunda natureza.
Por isso, o ditado vai muito além de uma música engraçada do axé. Pode ser interpretado como uma forma de resignação diante de comportamentos e características que parecem intrínsecos e imutáveis. É como se Eclesiastes enfatizasse a futilidade dos esforços humanos sem a perspectiva divina – coisa que o apóstolo Paulo propõe de forma diferente ao dizer: “não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente” (Cf. Rm 12,2).
É possível endireitar?
Assim, embora o provérbio “pau que nasce torto nunca se endireita” aponte para a dificuldade de mudar o que é imperfeito, a mensagem bíblica na totalidade oferece esperança de transformação por meio da fé e da ação divina. Isso faz com que a gente reflita sobre as limitações humanas, mas também sobre a busca pela renovação e pela retidão. Afinal, “quem poderá endireitar o que Deus curvou?” (Cf. Ecl 7,13).
Quem nunca se deparou com uma situação ou pessoa aparentemente impossível de mudar? E quem diria que, com um pouco de fé e perseverança, o torto não poderia se endireitar? Fica a provocação: você vai se esconder atrás desse provérbio para dizer “sou assim mesmo” ou vai trilhar o caminho daqueles que, pela fé, se permitem transformar? (Cf. Rm 12,2).
Rogério Goldoni é professor na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), hipnoterapeuta, possui Mestrado em Teologia Bíblica e integra, junto ao CNPq, os grupos de pesquisa na área da poética hebraica.