Nos últimos anos, no contexto brasileiro, esse dito popular foi bastante esquecido. Afinal de contas, muitos cristãos se propuseram a defender um armamento indiscriminado da população, como forma de promover segurança e autodefesa. Chegaram até a usar a Bíblia para justificar essa posição absurda. Mas vejamos qual é o sentido desta frase.
Os evangelistas relatam que quando Jesus foi preso, um de seus discípulos feriu à espada um dos que vieram para prendê-lo. Marcos, Mateus e Lucas afirmam ter sido o servo do sumo sacerdote (Mc 14,47; Mt 26,51; Lc 22,50). João completa que o nome do servo era Malco e quem o feriu foi Pedro (Jo 18,10). Logo, andar armado naquele contexto não significava ser “cidadão de bem”! Jesus repreendeu a atitude violenta (Mt 26,52; Jo 18,11) e ainda curou o servo do sacerdote (Lc 22,51).
Assim, "quem com ferro fere, com ferro será ferido" (Mt 26,52) é uma adaptação popular da repreensão que Jesus fez aos discípulos que agiram violentamente no momento de sua prisão. Um leitor atento e não ideológico da Bíblia percebe que Jesus e armas não combinam. O “Jesus dos evangelhos” manda dar a outra face quando alguém nos bate (Mt 5,39), rezar pelos inimigos e fazer o bem a quem nos persegue (Mt 5,44-45), afirmando que todos aqueles que são pacifistas são chamados de filhos de Deus (Mt 5,9).
Jesus tinha plena consciência da tradição bíblica de que quem mata um ser humano também será morto, porque cada ser humano é a imagem de Deus (Gn 9,6). Jesus compartilhava do sonho de Israel de que um dia todas as nações, guiadas pela palavra de Deus, converteriam suas armas em instrumentos de trabalho, abandonando a violência e a guerra (Is 2,4), pois Deus destrói as armas e faz cessar as batalhas (Sl 46,9). A tradição neotestamentária inúmeras vezes afirma que o cristão não pode buscar a vingança (Rm 12,19) e que não devemos pagar a ninguém o mal com o mal (1Ts 5,15; 1Pd 3,8).
Desta forma, é preciso claramente afirmar: não se pode justificar o armamento indiscriminado e a violência usando a palavra de Jesus! Quem o faz distorce o Evangelho e não constrói um mundo de paz.
Frei Inácio José, OdeM, é doutorando em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), bolsista FAPEMIG.