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Vivemos um “hiato geracional”! Esse é o principal foco da minissérie “Adolescência”, que está sendo comentada em vários cantos do planeta.
Esse hiato é presenciado em várias dimensões. O lugar dos pais que hoje estão com 50 anos, como o personagem do filme que representa a figura paterna, é de provedor e de agente de resolução de problemas.
O personagem relata que prometeu a si mesmo não repetir as violências físicas sofridas por ele com seu filho. É difícil imaginar que uma pessoa que não tenha tido oportunidade de reelaboração psíquica e que tenha sofrido agressões na infância, não deixe algum vazio em sua paternidade.
Lacunas e desencontros
Nesse cenário de “desencontro” e de lacunas de mundos (dos pais e dos filhos), existem outros desafios. Muitos pais e mães não possuem o desejo de exercer a paternidade ou a maternidade.
No entanto, não foram criados em um mundo em que escolhas eram possíveis. Em sua infância, havia uma sequência esperada em seu caminho de existência.
Fugir ou romper com essa expectativa significaria pagar um preço muito alto e vivenciar um dos sofrimentos mais perversos humanos: a culpa.
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A culpa aprisiona e limita caminhos e escolhas. Escolhas malfeitas, por um motivo ou por outro, trazem consequências. Duas falas que escuto com frequência em meu consultório: a primeira, por parte de pais e mães: “eu não queria ter tido filho, não sei educar”; a segunda, por parte de crianças e adolescentes: “meus pais dizem que não tem tempo para mim, mas aos fins de semana vamos ao restaurante e ficam o tempo todo no celular”.
O mundo contemporâneo incentiva o tempo todo a vivência de novas experiências, de conexões, de vida intensa. Dessa forma, sentar com os filhos para brincar, escutá-los tem sido algo cada vez mais raro... Por outro lado, muitas vezes, quando há interesse em educar, a educação é uma espécie de preenchimento de vazios e frustrações.
“Quero fazer meu filho vencedor, ganhar muitas medalhas em Olimpíadas educacionais, vou colocá-lo em cinco atividades extraclasses e em uma luta, para saber se defender”.
Além disso, ainda no século XXI, não é permitido ao menino a demonstração de vulnerabilidades, de chorar, de expressar e dizer as emoções. Aqui temos uma sociedade machista, reproduzida por várias vozes, não permitindo um lugar de reelaboração das emoções, do perdão, dos afetos, mas apenas do ódio.
Desconexão
Nesse cenário, estamos vivendo um mundo de pouca conexão entre pais e filhos. Muitos pais pensam que seus filhos devem seguir seus passos naturalmente, só por serem pais ou mães. É um grande equívoco! “Pai” e “mãe” são construídos diariamente. São seres humanos, também vulneráveis e falhos, mas que devem buscar conexão.
Esse vínculo não está em seu mundo particular, mas num espaço entre. É preciso existir admiração, horizonte de mundo aos filhos, mas também que os pais busquem entender quem são seus filhos reais, não em suas fantasias. Eles podem ser muito diferentes dos pais e está tudo bem! (Ou deveria estar...).
Desinvestimento narcísico
Os jovens não estão tendo certeza de que são amados ou de que alguém de fato os entendam. Existe uma espécie de fragilidade devido a um “desinvestimento narcísico”, como se o seu eu fosse frágil.
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Ele dificilmente irá se afirmar, facilmente se esconde. No entanto, nesse cenário há perigo. Pois ele irá buscar identidades externas, hoje facilmente fornecidas pelas redes sociais.
Pessoas radicais em ideias escondem patologias e vazios, que são ilusoriamente preenchidos, muitas vezes por um horizonte de banalidade, do mal, de violência. Nesse contexto, alteridades são desconstruídas, o outro é aniquilado.
Diante do medo, o ódio ocupa espaço. O ódio ao diferente, ao que instiga, ao que ameaça em seu imaginário.
A humanidade está passando por grandes desafios, está adoecida e suas patologias estão fluindo facilmente nas redes.
Sim, pais precisam estar atentos às emoções, aos afetos de seus filhos. Filhos precisam falar, pais, necessitam escutar!
René Dentz é professor do Departamento de Filosofia da PUC-Minas, onde também é coordenador da Pós-Graduação em Teologia e Psicanálise, psicanalista, Doutor em Teologia pela FAJE e Pós-Doutorado em Teologia pela Université de Fribourg, na Suíça. Autor do livro “Perdão: diálogos entre a filosofia e a teologia” (Paulinas, 2024).
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