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Sozinhos em casa: o retrato de um Brasil mais individual, mais velho e solitário

Com mudanças nos modelos familiares e envelhecimento da população, número de pessoas morando sozinhas avança e exige novas formas de cuidado

Foto: Pexels

O Brasil está mudando e, com ele, o retrato dos lares brasileiros. Dados do Censo Demográfico 2022, divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), revelam um fenômeno em plena ascensão: quase um quinto dos domicílios do país é habitado por apenas uma pessoa.

Em 2010, lares unipessoais representavam 12,2% do total. Em 2022, esse índice saltou para 18,9%, o que equivale a aproximadamente 14 milhões de casas com apenas um morador.

A solidão domiciliar cresce em todas as faixas etárias, mas o aumento mais expressivo ocorreu entre os adultos de 25 a 39 anos. Ainda assim, os idosos continuam sendo os que mais vivem sozinhos: 28,7% das pessoas com 60 anos ou mais moram sós, um dado que acende alerta sociais, econômicos e de saúde pública.

Além do envelhecimento da população, há mudanças culturais em curso: casamentos tardios, maior número de solteiros e o crescimento do número de pessoas que optam por não constituir família tradicional alimentam esse novo perfil domiciliar.

Casais sem filhos

O Censo mostra também que os brasileiros estão optando por ter menos filhos – ou mesmo não tê-los. Em 12 anos, o percentual de casais sem filhos cresceu de 16,1% para 20,2%. Já o número de domicílios compostos por casais com filhos caiu de 49,3% para 37,9%. Os motivos são diversos: o alto custo da criação de crianças, novas prioridades pessoais e profissionais, e uma reavaliação do papel da maternidade, especialmente entre as mulheres.

Yeda Duarte, gerontóloga e professora da USP (Universidade de São Paulo). Foto: Arquivo Pessoal

“Antes, a maternidade era vista como essencial para a identidade feminina. Hoje, há outras possibilidades de realização pessoal”, analisa Yeda Duarte, gerontóloga e professora da USP (Universidade de São Paulo). Segundo ela, o comportamento das novas gerações, mais abertas à individualidade e menos pressionadas por convenções familiares, está mudando profundamente os arranjos domésticos.

Essa transformação também se reflete na liderança dos lares. Pela primeira vez, o número de mulheres no comando do lar ultrapassou o das que se declaram esposas do responsável pela casa. Hoje, 50,8% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres – o equivalente a 38,1 milhões de famílias. Esse avanço é impulsionado por fatores como maior inserção no mercado de trabalho, autonomia econômica e a realidade de famílias monoparentais, muitas vezes formadas após separações.

Idosos vivendo sozinhos

Entre todos os dados, o crescimento da população idosa morando sozinha é o que mais preocupa especialistas. Viver só não é necessariamente um problema, desde que seja uma escolha. Mas quando a solidão é imposta — por abandono, falecimento de companheiros ou falta de rede de apoio —, ela pode se tornar um fator de risco.

Foto: Pexels

“É preciso distinguir entre morar só por opção e por falta dela. Quando é imposição, o poder público precisa agir com políticas de suporte, garantindo segurança, cuidados e companhia quando necessário”, alerta Yeda, que coordena o Estudo SABE – Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento, da USP.

O grupo que mais cresce na população idosa é o dos longevos — pessoas com 80 anos ou mais — e muitos vivem sozinhos. “É necessário pensar estratégias de atenção e cuidado desde já, e não apenas reagir quando essas pessoas se tornarem estatísticas em situações trágicas”, completa a especialista.

Foto: Pexels

O Censo 2022 mostra que o Brasil tem hoje 72 milhões de domicílios — 15 milhões a mais do que em 2010 — e que a média de moradores por residência caiu de 3,3 para 2,8 pessoas. À medida que o país envelhece e se torna mais feminino, as estruturas familiares tradicionais cedem espaço a novos modelos de convivência — mais individuais, mais diversos, mas também mais desafiadores.

Essa tendência aponta para um futuro que exigirá novas políticas públicas, mais sensibilidade social e uma reavaliação das formas de cuidado, convívio e pertencimento. “É fundamental que isso seja feito desde já e não quando as pessoas negligenciadas se tornarem manchetes de noticiários de forma desumana e desrespeitosa”, finaliza Yeda Duarte.

 

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