Irmã Miriam Rotta é missionária paulina. Foto: Patricia Silva, fsp
Ir. Miriam, queremos conhecer um pouco da sua história vocacional.
Ir. Miriam – Para contar minha história tenho que contar a história de minha família, de minha paróquia, minha cidade, do meu país. A minha família sempre foi profundamente religiosa.
Com meus pais, rezávamos pela manhã e à noite. Com eles participávamos da Paróquia, onde eram muito empenhados. Meus pais nos davam esta motivação de serviço à Igreja. Esta foi uma alavanca muito boa e forte para depois eu descobrir minha vocação missionária. Pertenci, como jovem, à Ação Católica.
Estudei com as Irmãs que nos estimulavam e ajudavam a descobrir a nossa vocação na Igreja e na sociedade. Tudo isso contribuiu para a minha formação apostólica e missionária. Quando eu tinha 16 anos, uma Irmã, minha professora, me perguntou se eu já tinha feito uma escolha na vida e, o que eu faria ao completar meus estudos. Aquela pergunta me questionou muito porque, até aquele momento, eu não havia pensado em nada.
Só pensava em concluir os estudos e depois parecia muito espontânea a vida. Mas aquela pergunta levou-me a pensar: o que quero fazer na minha vida para ser útil, na sociedade e na Igreja. Nisto, conheci as Irmãs Paulinas que, na sua atividade missionária, passaram pela cidade de Lajeado (RS), onde eu estava.
Como gosto muito de ler, fui logo à procura delas para pegar alguns livros. Assim começou meu caminho vocacional, até me tornar uma irmã missionária paulina.
E como foi sua experiência, Ir. Miriam, como irmã paulina aqui no Brasil?
Ir. Miriam - Fui muito desafiada. Os superiores confiavam muito nas irmãs jovens e imediatamente as colocavam nas missões. A primeira missão da qual participei foram as Semanas Bíblicas. Me recordo de uma grande Semana Bíblica que fizemos em Piracicaba (SP), onde o Bispo desejava que percorrêssemos toda a cidade.
Nossa querida Irmã Maria Pia Di Dio era a alma das Semanas Bíblicas. Era responsável. Ela preparou o movimento e viu que o que o Bispo desejava era para um bom grupo de irmãs. Fomos em 16 Irmãs para Piracicaba. Pode-se imaginar o que significava a presença de 16 Paulinas naquela cidade. Visitamos cada família dando-lhes a oportunidade de adquirir o Evangelho, o Novo Testamento ou a Bíblia.
A nossa alegria, depois de seis dias, foi ver a cidade toda se movimentando para a distribuição das Bíblias. Nesta cidade, foram distribuídas mil Bíblias, 2.600 Evangelhos. O bispo disse, na ocasião: “Neste momento a nossa cidade passa a ser uma cidade de Deus”. Aquilo nos comoveu muito porque a nossa vocação ajudou a cidade sentir-se “uma cidade de Deus”.
Depois, tive a responsabilidade de coordenar a comunidade, de trabalhar na formação das jovens. Isto para mim era uma alegria muito grande, porque estar com as jovens é animar a si própria. Seus sonhos, suas alegrias, são transmitidos para nós. Senti muito prazer também neste trabalho na formação. Hoje, sinto alegria em ver que aquelas jovens estão ocupando cargos de responsabilidade, e vivendo a sua vocação plenamente.
Na Hora de Adoração, senti um apelo a me oferecer para as missões, o que era solicitado pela superiora geral. Logo fui convocada para ser missionária em Portugal.
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Ir. Miriam, você começou em Portugal, mas já passou por vários países, não é?
Ir. Miriam - Na verdade, iniciei meu trabalho em Portugal. Comecei na formação. Depois, o governo geral me confiou a administração. Quando recebi o telegrama: “Agora, tu és nomeada delegada de Portugal e de Moçambique e a tua primeira missão é visitar as Irmãs de Moçambique”.
Senti uma alegria muito grande, porque quando eu era criança o nosso pároco tinha contato com um amigo seu que era missionário em Moçambique que lhe escrevia e enviava fotografias. Eu sentia muita alegria de ver o povo moçambicano e pensava: “Quem sabe um dia vou ser missionária em Moçambique!”
Fiquei muito feliz quando me foi dada esta missão de ir lá visitar as Irmãs. Participei da vida e, também, dos sofrimentos das Irmãs que estavam vivendo uma guerra com o povo que lutava pela sua libertação, a sua independência. Vivi momentos de preocupação, porque sabíamos que a nossa casa poderia ser assaltada.
Depois, os superiores pediram que eu fosse colaborar com as Irmãs em Macau, nas portas da China. Me disseram: “Tu vais lá por uns dois ou três meses”. Estes meses se tornaram 14 anos. Fiquei lá, junto ao povo chinês, ao povo macaense, com uma alegria muito grande por 14 anos em experiência com o povo oriental, com suas práticas religiosas, com sua força da fé no Evangelho.
Quando pensei que tinha concluído minha missão, voltei para Portugal. Depois, a superiora geral me disse: “Quero que vás colaborar um pouco na Rússia”. Parti, querendo conhecer a cultura e a vida do povo. Nós éramos quatro Irmãs: uma colombiana, uma coreana, outra indiana e eu. Fizemos a experiência da universalidade do Evangelho. Pudemos viver o contato com o povo russo.
Senti dificuldade por não conhecer a língua. Mas, o Senhor sempre ajeita as coisas. O povo russo, como gosta muito de música, estuda o italiano. Isto facilitava a comunicação. Fiquei três meses na Rússia e, ainda lá, recebi da superiora geral este pedido: “Precisamos de ti na África. Vá colaborar com as Irmãs em Angola”. Senti muita alegria. Na minha primeira vocação missionária, eu pensava na África.
Estive por um ano em Angola, depois recebi a incumbência de coordenar as três comunidades: África do Sul, Moçambique e Angola. Fui morar por seis anos em Moçambique. Vivi momentos de alegria no meio daquele povo simples, humilde, pobre, mas de um coração muito maior do que a África. A África é um continente. Tem 54 países! Entre estes, temos os que falam o português: Moçambique e Angola.
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Uma experiência bonita, mas muito sofrida, porque, no norte, Moçambique sofre com a guerra por motivos econômicos. O povo sofre, mas vive a fé, a consciência da sua dignidade e de seu grande valor.
Agora, estou há dois anos em Angola, nesta outra parte da África. Moçambique fica a oeste, banhada pelo Oceano Pacífico. Angola é banhada pelo Oceano Atlântico. Em toda parte se encontram gente sofrida, e pessoas que sentem o valor da vida. Ubuntu é sua filosofia de vida.
Ubuntu é uma expressão muito forte da cultura banto, que tem um grande respeito pela pessoa, refere-se à humanidade com os outros. É um conceito amplo sobre o ser humano e a forma como se comporta em sociedade.
Para os africanos, ubuntu é a capacidade humana de compreender, aceitar e tratar bem o outro, uma atitude de “amor ao próximo”.
Ubuntu significa generosidade, solidariedade, compaixão com os necessitados, e o desejo sincero de felicidade e harmonia entre os seres humanos.
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Como você vê a missão paulina no mundo, na Igreja, hoje?
Ir. Miriam - Vou me servir da palavra de um bispo moçambicano. Vindo à Livraria, viu que tínhamos recebido a edição da Bíblia com comentários dentro da cultura africana: a Bíblia Sagrada Africana. Disse ele: “Irmãs, como temos que agradecer a missão paulina! Se não fossem as Paulinas, hoje não conheceríamos a Bíblia. Foram vocês que trouxeram a Bíblia para o nosso povo”.
Também em Angola, nossos bispos dizem: “Graças a vocês a Bíblia está sendo colocada nas mãos das pessoas”. Portanto, eu digo: a nossa vocação, com toda a sua amplitude de comunicação, atinge todos os povos. É tão bonito quando vamos fazer Semanas Bíblicas nas Paróquias, muitas vezes lá no interior, a 1200 Km.
Vemos as pessoas felizes e contentes, dizendo: “Irmã, eu também quero ficar com o Evangelho”. Muitas até nem sabem ler, mas como o padre estimula, as pessoas querem ficar com a lembrança da presença das irmãs. Portanto, a missão paulina, atende todos os povos em todos os espaços. Não temos fronteiras. Onde sabemos que tem pessoas, chegamos até lá!
Para as Paulinas, no mundo inteiro, pode deixar uma mensagem?
A atitude da paulina deve ser de agradecimento a Deus pela escolha, pelo modelo que ela tem como evangelizador, o nosso Pai São Paulo. É bom meditar a palavra de São Paulo e ter em mãos as suas Cartas. É uma força, um vigor, uma certeza de que a sua vocação não é vã. A sua vocação é preciosa, muito valiosa na Igreja e na sociedade!